terça-feira, dezembro 05, 2006

Juízes sem liberdade para integrar órgãos do futebol


A liberdade pessoal dos juízes para integrar órgãos de justiça do desporto profissional vai acabar.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão de gestão e fiscalização daquele grupo profissional, "envergonhado" com o futebol, nomeadamente com alguns episódios dos processos "Apito Dourado" e Caso Mateus, aprova hoje uma proposta de lei para limitar o exercício da actividade. A questão pode, no entanto, colidir com direitos de cidadania. Por isso, os conselheiros estão divididos quando à forma de impor as regras, existindo várias versões em cima da mesa. O texto a apresentar à Assembleia da República (AR) é conhecido ao final do dia.

Os conselheiros são unânimes em admitir a necessidade de se criar mecanismos legais de controlo. "Hoje, qualquer juiz pode participar nas estruturas jurisdicionais desportivas sem dar conhecimento a ninguém", lembra Edgar Taborda Lopes, porta-voz do CSM. "Pessoalmente, entendo que, para protecção da imagem da magistratura, tão injusta e irresponsavelmente tratada por tantos, os juízes não deviam aceitar cargos na justiça desportiva. Mas temos consciência de que a questão não é pacífica", afirmou.

De facto, nem a questão é pacífica nem o modelo de regulamentação é consensual entre os conselheiros. Uns, com base numa interpretação rigorista da Constituição, defendem que a actividade deve ser declarada incompatível com a função de juiz; outros, mais laxistas, preferem fazê-la depender de um pedido de autorização ao CSM.

Entretanto, também o PSD elaborou uma proposta sobre esta matéria. O maior partido da oposição, de que é deputado o actual presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Hermínio Loureiro, é radical, e quer afastar os juízes de todo o desporto profissional. "Aos magistrados judiciais, excepto os aposentados e os que se encontrem na situação de licença sem vencimento de longa duração, deve ser vedado o desempenho de funções em órgãos estatutários de clubes desportivos, de entidades associativas de natureza desportiva ou de sociedades desportivas com a natureza de sociedade anónima, envolvidos em competições profissionais." É este o texto que vai levar ao Parlamento.

Para Paulo Rangel, constitucionalista e deputado laranja, "a sobreposição de tais funções com o múnus judicial viola o estatuto constitucional dos juízes e congraça - por muito que isso doa, custe ou belisque - uma séria falta deontológica e disciplinar". Esta "tese" está bem expressa naquele projecto de diploma.

Hermínio Loureiro, no entanto, discorda do projecto do seu partido. Posição bem visível na constituição da Comissão Disciplinar da Liga, recentemente eleita, a qual integra dois juízes (...). Seriam três se um dos convidados não tivesse acolhido depois a recomendação do CSM. Em Outubro, este órgão lembrou aos juízes que desaconselha a participação em estruturas desportivas.

Cautelas no CSM

O CSM parece ser mais cauto do que o PSD na imposição de normas. Já em 1992, recorde-se, tentou disciplinar o assunto. Propôs, então, que ficasse dependente de si a autorização para que os juízes pudessem exercer actividades estranhas à função. Mas o Tribunal Constitucional reprovou.

Esta experiência frustrada, já com 13 anos, obriga o CSM a ser agora mais ponderado. Para Edgar Lopes, fazendo a sua própria leitura da Constituição, "a presença de juízes nas estruturas jurisdicionais desportivas não se pode impedir, mas pode desaconselhar-se, cabendo a cada um a opção, individual, de aceitar ou não."

Proibir ou apelar ao bom senso é, neste momento, a grande questão.

Por Licínio Lima e Sílvia Freches, in DN Online

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