sábado, dezembro 16, 2006

Amigos e cônjuges devem poder doar órgãos


A lei que impede qualquer pessoa que não um parente até ao 3.º grau do receptor de doar, em vida, órgãos não regeneráveis (rins, por exemplo) deve ser alterada de modo a permitir a doação por amigos, cônjuges ou unidos de facto. É a opinião do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), que considera no entanto que a doação deve ser restrita a situações em que se verifique uma relação afectiva, para prevenir a comercialização.

Reconhendo que a lei que regula a "Colheita e Transplante de Órgãos e Tecidos Humanos", de 1993, "não se adequa à promoção de um espírito altruísta e de uma verdadeira solidariedade humana", o CNECV alerta para o facto de a proposta legal que lhe foi submetida, não restringindo de modo nenhum a colheita e a dádiva em vida de órgãos não regeneráveis - a não ser em caso de perigo de vida do dador -, surgir em dissonância "da orientação dominante na Europa". Para o CNECV, deveria acolher-se o estatuído num protocolo específico sobre transplantes adicionado em 2004 à Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, protocolo subscrito por Portugal e que só reconhece a admissibilidade da doação em caso de "relação pessoal próxima".

O que seria essa relação "caberia a cada país especificar", explica Paula Martinho da Silva, a presidente do CNECV, considerando que "de facto é necessário alterar a legislação mas com alguma prudência, para tornar mais transparente a doação e assegurar a existência de uma relação genuína entre doador e receptor". A restrição citada, diz a especialista em bioética, "não constituindo um entrave à colheita, facilitaria a apreciação da Entidade de Verificação da Admissibilidade de Colheita para Transplante prevista na proposta de lei e preveniria a possibilidade de existência de uma relação comercial subjacente à dádiva".

O CNECV chama também a atenção para a doação de órgãos ou tecidos protagonizada por menores ou "outros incapazes"- apenas permitida quando os tecidos ou órgãos sejam regeneráveis -, frisando que a futura lei deveria restringir essas situações a "casos de necessidade clínica premente se não se encontrar um dador cadáver ou um dador vivo compatível e gozando de capacidade para prestar consentimento". De acordo, aliás, com o previsto no artigo 20.º da convenção citada, que apesar de estar em vigor no País desde 2001 não foi ainda integrada na legislação nacional.

A necessidade de consentimento informado, prevista na proposta de lei, é relevada pelo CNECV, que sublinha que o médico deve avaliar de modo "muito criterioso" os potenciais riscos e recusar a dádiva, "mesmo que firmemente desejada e livremente consentida, quando se configurar risco para a vida do putativo dador".

Por Fernanda Câncio, in DN Online.

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