quarta-feira, dezembro 20, 2006

ASJP - Parecer sobre proposta de revisão do crime de violência doméstica no CP

A Associação Sindical de Juízes considera que não pode haver crime de violência doméstica quando o casal é composto por duas pessoas do mesmo sexo. Por duas razões: por não existir "um caldo sociológico" de "relação de superioridade física do agente em relação à vítima" nesses casos e porque assim se antecipa a "tutela penal à tutela civil" deste tipo de relacionamento. E conclui: "A protecção da família enquanto composta por cônjuges do mesmo sexo tem um notório - e apenas esse - valor de bandeira ideológica, uma função, por assim dizer, promocional."

Trata-se de "fazer entrar pela janela aquilo que não entrou pela porta". É assim que Pedro Albergaria, um dos dois autores do parecer, sintetiza o que pensa da inclusão dos casais do mesmo sexo nas situações em que se pode verificar o crime de violência doméstica. Para este juiz, não estando previsto no Código Civil o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não se pode estabelecer no Código Penal que a violência entre um casal homossexual constitui um crime específico dos relacionamentos conjugais ou para-conjugais. Além disso, Albergaria considera que "não está minimamente demonstrado que essas situações existem - o legislador deve legislar sobre o que geralmente acontece, não sobre o que pode acontecer ".

"São lutas de todos nós"

Parece haver, pois, duas ordens de razões no parecer assinado por Pedro Albergaria e Mouraz Lopes: as ideológicas e as empíricas. Em relação às duas Rui Pereira, coordenador da Unidade de Missão para a Reforma do Código Penal, apresenta a sua total discordância. "Há pessoas do mesmo sexo a viver em união de facto, situação que a lei já prevê, portanto o argumento da 'antecipação' apresentado não está tecnicamente correcto. Se há violência nessa relação, a tutela jurídica não pode fechar os olhos. Além disso, o crime em causa envolve violência física e psíquica, e não é necessariamente o mais forte fisicamente que maltrata o outro. Aliás, por esse ponto de vista nenhum homem poderia apresentar queixa por levar pancada de outro homem em qualquer circunstância, ou uma mulher por ser agredida por outra mulher."

Certificando que "foram preocupações da revisão do Código Penal a consagração da igualdade na prática, no que respeita à orientação sexual, de acordo com a norma constitucional" Rui Pereira refuta a imputação de intuitos "promocionais": "As lutas contra discriminações são lutas de todos nós. Não é conversa retórica nem bandeira ideológica nenhuma. A igualdade é um valor jurídico em que todos nos reconhecemos como seres humanos."

Parecer "pode ser redutor"

Pedro Albergaria admite não ter pensado, quando redigiu o parecer, "na situação dos heterossexuais em uniões de facto", já que ao instituir o casamento civil como referência nesta matéria e ao excluir os casais do mesmo sexo em união de facto da tipificação do crime de violência doméstica teria então, de fazer uma de duas coisas: ou excluir também os de sexo diferente nas mesmas condições ou fundamentar a discriminação dos homossexuais, proibida pela Constituição e não prevista na lei da união de facto.

Por outro lado, o juiz reconhece que assentar a sua posição no argumento da necessidade de existência de uma relação de superioridade física "pode ser redutor". Mas, insiste, "numa situação de confronto físico é importante e quase todos os casos que chegam aos tribunais têm a ver com essa desigualdade".

Certo é que o crime previsto no artigo 152º da novo Código Penal inclui entre as potenciais vítimas do crime, para além de cônjuge e ex-cônjuge e "pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação", também "progenitor ou descendente" e menores ou pessoas particularmente indefesas que coabitem com o agressor. Sem referência a diferença de sexos e incluindo o ascendente económico.

Por Fernanda Câncio, in DN Online.

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Parecer da ASJP sobre a proposta de revisão do crime de violência doméstica no Código Penal

"Face a notícias vindas hoje a público sobre o parecer da ASJP relativo ao projecto de revisão do Código Penal, e à interpretação que alguns, distorcidamente, pretendem fazer desse documento, a Direcção Nacional entende dever prestar os seguintes esclarecimentos públicos:

Comunicado da Direcção Nacional de 20.12.06


Parecer sobre a proposta de revisão do crime de violência doméstica no Código Penal

Face a notícias vindas hoje a público sobre o parecer da ASJP relativo ao projecto de revisão do Código Penal, e à interpretação que alguns, distorcidamente, pretendem fazer desse documento, a Direcção Nacional entende dever prestar os seguintes esclarecimentos públicos:

A ASJP saúda o interesse da comunicação social pelo parecer elaborado pelo Gabinete de Estudos e Observatórios dos Tribunais, publicado há cerca de dois meses, sobre o projecto de revisão do Código Penal;

A ASJP esclarece que não tomou nem toma posição sobre a opção legislativa de equiparar a união de facto entre casais homossexuais à união de facto entre casais heterossexuais na previsão do crime de violência doméstica, nem tem nenhum tipo de resistência cultural ou ideológica a tal equiparação, porque essa é matéria da consciência moral de cada juiz, sobre a qual qualquer posição da sua associação representativa seria ilegítima e descabida;

O que a ASJP fez foi emitir um parecer técnico sobre determinadas opções político-legislativas submetidas à sua apreciação pelo Governo;

E nesse âmbito técnico, o parecer da ASJP considerou, e considera, que o alargamento do conceito penal de violência doméstica à união de facto homossexual não se deveria fazer sem que a sociedade portuguesa tivesse tido a merecida oportunidade de debater previamente estas opções culturais e filosóficas reconhecidamente polémicas;

Criticou-se, apenas, este voluntarismo legislativo que prescinde do debate cívico das questões polémicas e as toma, precipitadamente, como soluções consensualizadas na sociedade portuguesa;

Aliás, a ASJP não deixa de fazer exactamente a mesma crítica a outras opções igualmente polémicas do projecto legislativo, que também não foram sujeitas a suficiente debate social, como sejam, por exemplo, a equiparação ao conceito de violência doméstica das agressões entre divorciados há 10 ou 20 anos, as agressões a pessoas que apenas tiveram relacionamento de namoro sem coabitação ou as agressões entre pessoas que não tiveram qualquer tipo de relacionamento conjugal para alem da concepção de um filho comum;

Nota: o parecer da ASJP está publicado nesta página há dois meses e pode ser acedido a partir do menu inicial / Gab. Estudos Obs. Trib. / Pareceres sobre diplomas legais"


in Site ASJP


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