Prisão prolongada prejudica tratamento
"Em quatro semanas, é possível compensar um esquizofrénico. O encarceramento prolongado é um factor de agravamento da situação clínica, diminuindo as probabilidades de recuperação", considera Susana Cunha, psiquiatra forense do Hospital de S. João (Porto) e autora do único estudo sobre esquizofrénicos inimputáveis realizado na Clínica Psiquiátrica do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (Matosinhos).
"A farmacologia evolui muito. A visão judicial não", critica a médica, sublinhando as contradições do sistema que os isenta de culpa mas qualifica o acto ao equiparar a duração do internamento à pena de prisão a que seriam condenados em regime comum.
Um estudo de Fernando Almeida sobre o tempo de prisão cumprido pelos condenados por homicídio concluiu que a pena média era de cinco anos e sete meses. Na clínica psiquiátrica, a duração média do internamento, tendo em conta todos os tipos de crimes, oscila os cinco a dez anos, mas pode ser mais, admite Gina Rodrigues, adjunta da direcção da cadeia de Santa Cruz do Bispo. "Depende das possibilidades de reinserção que, na maioria dos casos, são poucas ou nenhumas", acrescenta.
Dos 36 esquizofrénicos estudados por Susana Cunha, 22 tinham cometido homicídio na forma tentada ou consumada. No entanto, a perigosidade não se mede pelo tipo de crime. São perigosos porque, caso não estejam devidamente compensados - com medicação diária e suporte social e psicoterapêutico -, podem ter um surto psicótico que os torna incapazes de ter juízo crítico.
"Não se pode comparar a perigosidade destes doentes à dos delinquentes comuns. A causa do crime é a doença de que sofrem", acrescenta. A esquizofrenia é uma patologia crónica, mas, se for devidamente tratada, o doente pode ter uma vida normal.
Embora raros, há casos bem sucedidos de esquizofrénicos que cometeram crimes e, depois do internamento, conseguem voltar à família e à sociedade em segurança. Um jovem de 20 e poucos anos matou a irmã durante um delírio de perseguição. Esteve alguns anos internado, mas a mãe assumiu a responsabilidade de o tratar. Saiu em 1996. Teve outras crises, mas está controlado. Trabalha. Está entre nós.
Na cadeia de Santa Cruz do Bispo e em hospitais
Em Portugal existem 284 inimputáveis (271 homens e 13 mulheres). No anexo psiquiátrico de Santa Cruz do Bispo estão 81 inimputáveis, mais 32 em situação preventiva ou do regime comum que precisam de acompanhamento psiquiátrico. Na Casa de Acolhimento de Santo André (também no perímetro prisional), vivem oito ex-internados que já não estão sujeitos a medida de segurança. Os restantes inimputáveis estão em alas especiais de hospitais psiquiátricos.
Psicoses esquizofrénicas e atrasos mentais
Um terço dos internados da clínica sofre de psicose esquizofrénica, 37% tem atraso mental e os restantes padecem de patologias mentais diversas. Cerca de metade só viu o seu problema diagnosticado depois de cometer o crime.
Famílias carenciadas social e culturalmente
Solteiro, baixa escolaridade, estrato social e cultural médio baixo, oriundo de família desestruturada - é o perfil do inimputável, de acordo com o responsável da clínica.
in Jornal de Notícias
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