Eduardo Dâmaso
(Editorial in Diário de Notícias de hoje)
"O secretário de Estado da Justiça congratulou-se ontem com o facto de terem sido marcadas sete vezes mais diligências nos tribunais entre 15 de Julho e 31 de Agosto deste ano do que em igual período do ano transacto. Foi assim, de modo lapidar, que decretou o sucesso da medida do Governo que pôs fim às férias judiciais nos termos em que vigoravam até ao ano passado, ou seja, entre 15 de Julho e 16 de Setembro. Não querendo, os magistrados foram obrigados pelo Governo a trabalhar mais, foi o que nos quis dizer o secretário de Estado numa exuberante manifestação de auto-elogio.
Ora a satisfação do governante seria um bom sinal se correspondesse de algum modo à realidade. E não está sequer lá perto. O Governo pode adiantar as estatísticas de marcação de diligências que quiser, mas elas não resistem a uma simples visita a dois ou três tribunais. Não estão a realizar-se julgamentos nem sequer grande parte das ditas diligências marcadas. Os tribunais estão às moscas, as agendas da esmagadora maioria dos juízes estão vazias entre o dia 15 de Julho e o princípio de Setembro, alguma diligência que escape ao clima geral de desinteresse e resistência passiva é caso insólito. Quer o Governo queira ou não, as férias judiciais concretizaram-se mesmo nos moldes em que vigoravam até aqui.
Esta é uma daquelas questões que evoluíram no pior sentido possível. Não estando em causa que se tornava necessário alterar o regime das férias judiciais, ela foi transformada de forma demagógica numa questão política pelo primeiro-ministro. Nos últimos anos tornou-se politicamente correcta a ideia de que há coisas que não mudam na administração pública devido a interesses corporativos instalados e não à incompetência dos governantes. Por isso, seria de bom tom dar um sinal de determinação e coragem e enfrentar tais interesses. Não pela via da negociação de um projecto sério, mas em função de um tiro dado numa declaração política a decretar um resultado a que posteriormente se adaptará um caminho qualquer para lá chegar. O resultado está à vista: nada mudou, os cidadãos não vêem os assuntos tratados com maior celeridade, o assunto está mergulhado num insensato confronto de argumentos inúteis e sem aderência à realidade, os tribunais só estão a tratar processos urgentes. E daqui já ninguém sai bem: nem o Governo nem os operadores judiciários. Tudo começou mal e tudo vai acabar mal para as duas partes, em prejuízo dos portugueses."
*Negrito nosso
(Editorial in Diário de Notícias de hoje)
"O secretário de Estado da Justiça congratulou-se ontem com o facto de terem sido marcadas sete vezes mais diligências nos tribunais entre 15 de Julho e 31 de Agosto deste ano do que em igual período do ano transacto. Foi assim, de modo lapidar, que decretou o sucesso da medida do Governo que pôs fim às férias judiciais nos termos em que vigoravam até ao ano passado, ou seja, entre 15 de Julho e 16 de Setembro. Não querendo, os magistrados foram obrigados pelo Governo a trabalhar mais, foi o que nos quis dizer o secretário de Estado numa exuberante manifestação de auto-elogio.
Ora a satisfação do governante seria um bom sinal se correspondesse de algum modo à realidade. E não está sequer lá perto. O Governo pode adiantar as estatísticas de marcação de diligências que quiser, mas elas não resistem a uma simples visita a dois ou três tribunais. Não estão a realizar-se julgamentos nem sequer grande parte das ditas diligências marcadas. Os tribunais estão às moscas, as agendas da esmagadora maioria dos juízes estão vazias entre o dia 15 de Julho e o princípio de Setembro, alguma diligência que escape ao clima geral de desinteresse e resistência passiva é caso insólito. Quer o Governo queira ou não, as férias judiciais concretizaram-se mesmo nos moldes em que vigoravam até aqui.
Esta é uma daquelas questões que evoluíram no pior sentido possível. Não estando em causa que se tornava necessário alterar o regime das férias judiciais, ela foi transformada de forma demagógica numa questão política pelo primeiro-ministro. Nos últimos anos tornou-se politicamente correcta a ideia de que há coisas que não mudam na administração pública devido a interesses corporativos instalados e não à incompetência dos governantes. Por isso, seria de bom tom dar um sinal de determinação e coragem e enfrentar tais interesses. Não pela via da negociação de um projecto sério, mas em função de um tiro dado numa declaração política a decretar um resultado a que posteriormente se adaptará um caminho qualquer para lá chegar. O resultado está à vista: nada mudou, os cidadãos não vêem os assuntos tratados com maior celeridade, o assunto está mergulhado num insensato confronto de argumentos inúteis e sem aderência à realidade, os tribunais só estão a tratar processos urgentes. E daqui já ninguém sai bem: nem o Governo nem os operadores judiciários. Tudo começou mal e tudo vai acabar mal para as duas partes, em prejuízo dos portugueses."
*Negrito nosso
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