quinta-feira, agosto 23, 2007

Legislação comunitária assegura indemnizações em casos de criminalidade violenta

Por Dra. Isabel Meirelles
(in
Jornal de Negócios)

"A época estival continua e para muitos, também as férias respectivas onde nem sempre as coisas correm bem, mas que podem, assim conheçamos os nossos direitos de cidadãos comunitários, ter um final feliz.
Foi o caso que esteve subjacente a um conhecido acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça das Comunidades no caso Cowan, que vale a pena enunciar como exemplo, designadamente, da evolução do princípio da igualdade e da não discriminação em razão da nacionalidade.

A questão foi suscitada no âmbito de um litígio entre a Fazenda Pública francesa e um cidadão britânico chamado Ian William Cowan, a propósito de uma indemnização por prejuízos causados por uma agressão violenta de que foi vítima, aquando de uma breve estada em Paris à saída de uma estação de metro.

Dado que os autores da agressão não puderam ser identificados, Ian Cowan requereu à comissão de indemnização de vítimas de infracções, uma reparação pecuniária, nos termos do Código Penal francês que prevê o ressarcimento de prejuízos pelo Estado sempre que a vítima de uma agressão, que tenha provocado danos corporais, não possa obter, a qualquer outro título, uma indemnização efectiva e suficiente do dano sofrido.

O Estado francês recusou esta possibilidade ao cidadão britânico com fundamento de que ele não era nem nacional, nem residente.

O Tribunal de Justiça considerou, porém, na sequência do pedido de interpretação pedido pela jurisdição do litígio, que o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade se opõe a que um Estado membro sujeite a concessão de um benefício a determinada pessoa com a condição de esta residir no seu território quando esta condição não é imposta aos seus nacionais, bem como ter de ser oriundo de um país que tenha concluído um acordo de reciprocidade com esse Estado membro.

Foi na sequência deste acórdão do Tribunal de Justiça, instituição definitiva no processo de construção europeia, que foi adoptada legislação comunitária nesta matéria. Foi o caso da Decisão-Quadro de 2001 relativa ao estatuto da vítima em processo penal, que permite que as vítimas de criminalidade solicitem, no âmbito de uma acção penal, uma indemnização ao autor da infracção.

Por seu turno, uma directiva de 2004 estabelece um sistema de cooperação destinado a facilitar o acesso à indemnização às vítimas da criminalidade em situações transfronteiriças, quando estas não podem obter uma indemnização junto do autor da infracção, ou porque ele não dispõe dos meios necessários ou porque não pode ser identificado ou sujeito a acção penal.

Ou seja, se a situação do Senhor Cowan ocorresse hoje, ele poderia formular o pedido de indemnização junto das autoridades competentes onde tem residência habitual, no Reino Unido ou em qualquer Estado membro, sendo que o pagamento da compensação deve ser sempre feita pelo país em cujo território o crime foi praticado.

No fundo, o sistema que se aplica aqui é, em teoria, bastante simples porque se baseia na cooperação entre autoridades que colaboram entre si, transmitindo os pedidos através de um formulário que está, inclusive, normalizado.

Os estados membros, nos termos daquela directiva são obrigados a desenvolver esforços para reduzir ao mínimo indispensável as formalidades administrativas exigíveis para apresentar um pedido de indemnização, evitando dificuldades linguísticas, processuais e financeiras. E o melhor de tudo é que este processo é gratuito, não podendo ser pedido nenhum pagamento de despesas nem à vítima, nem à autoridade a quem o pedido é transmitido.

Esperemos que as próximas deslocações no espaço comunitário se façam sem incidentes, mas se ocorrer uma situação semelhante à do Sr. Cowan, a legislação comunitária já assegura o direito à indemnização a todos os cidadãos europeus, no caso de serem vítimas de actos de criminalidade violenta."

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