segunda-feira, março 17, 2008

Provas por hipnose levam à anulação de julgamento

As provas de um crime obtidas através de hipnotismo não podem ser valoradas em tribunal, mesmo que se trate do depoimento de uma vítima de abusos sexuais, no âmbito de um tratamento psicológico. Este argumento é defendido pelos juízes do Tribunal da Relação do Porto, que decidiram, por essa razão, anular o julgamento de um homem condenado pelo Tribunal de Vila do Conde a quatro anos de cadeia por abuso sexual de criança.

O caso refere-se a uma menor que, entre os 11 e os 15 anos, viveu com um casal amigo dos pais, que se separaram. Nesse período só passava os fins-de-semana com a mãe "biológica". Segundo a versão da presumível vítima, o homem, operário de construção civil, tinha o hábito de, várias vezes por semana, procurá-la à noite no quarto, já depois de a sua mulher adormecer.

Nesses momentos, alegadamente, molestava-a sexualmente. O tribunal, porém, não deu como provado que tivesse alguma vez sido consumada penetração, até porque a menina remexia-se na cama, procurando escapar aos intentos do agressor.

Estes factos só viriam a ser descobertos quando a criança passou a sofrer de problemas de afonia (falhas de voz). Após ter sido observada por médico e terapeuta da fala, concluiu-se que a doença poderia ter origem psicológica. Por esse motivo, foi levada à presença de psicólogos da Universidade do Minho.

Tinha "afecto" pela menor

Numa primeira sessão, a menor nada disse. Mas na segunda já conseguiu falar, após ter desabafado à mãe os abusos de que fora vítima. Os psicólogos decidiram então efectuar sessões de hipnose terapêutica clínica e foi nesses tratamentos que ficou a saber-se o que a vítima viveu desde os seus 11 anos. De seguida, foram efectuados mais exames no Instituto de Medicina Legal, com vista a averiguar sinais físicos de abusos. Contudo, não viria a ser confirmada a existência de violação.

Negando sempre os factos e assumindo apenas "afecto" pela menor, o suspeito tentou desde o início anular as provas obtidas através das sessões de hipnose e impedir o depoimento do psicólogo e professor universitário responsável pelo tratamento. Mas o Tribunal de Vila do Conde recusou essa pretensão, com o argumento de que tal método foi utilizado não para recolher provas, mas sim para tratar a vítima.

Já depois de condenado, o suspeito recorreu para o Tribunal da Relação e teve êxito. Os juízes- -desembargadores vieram clarificar que a proibição de prova obtida através de hipnose não existe apenas para impedir que as autoridades tentem, através desse método, obter confissões por parte dos suspeitos. "[A obtenção de prova através de hipnose] É nula se incide sobre o agente e é nula se incide sobre uma qualquer testemunha. E não colhe o argumento de que a hipnose foi utilizada não para obter prova, mas com fins terapêuticos. A finalidade do uso da hipnose é irrelevante o que releva é que foi utilizada e inquina a prova obtida com o seu contributo", argumentam os juízes.

No caso concreto, o julgamento será repetido sem que sejam valoradas as provas agora consideradas nulas. Deverão contar, todavia, as declarações da própria vítima e ficará ao critério do tribunal avaliar a pertinência dos depoimentos do psicólogo responsável pelas sessões de hipnose e restantes testemunhas.

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