terça-feira, setembro 16, 2008

Entrevista com Luís Noronha do Nascimento

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que assinala hoje os 175 anos do tribunal superior, não subscreve o alarmismo do sector nem a alteração às leis penais. Noronha do Nascimento acha que os juízes de hoje não prendem menos

Existem poucos juízes em Portugal?

Não. A percentagem de juízes é suficiente. Há é processos a mais e muitos não deviam sequer ser julgados nem alvo de recurso.

Como se justifica que o processo Casa Pia esteja a demorar tanto?

Tem a ver com o número de testemunhas - 800 - e também com os incidentes processuais.

Causados por quem?

Porque é que um caso igual ao da Casa Pia nos Açores demorou apenas um mês ou dois meses?...

Os juízes não têm a responsabilidade de travar este atraso?

Eu no lugar dos juízes deste processo, num caso igual, faria o mesmo. Para não correr o risco, mais tarde, de anulação do julgamento. Na lei não há limites para apresentar testemunhas, mas o juiz pode dizer que não quer ouvir essas testemunhas. Mas depois pode ser anulado o julgamento por isso.

Então as leis estão erradas?

Sim, claro. Porque não existe um limite de 20 testemunhas nos processos-crime..?

Existe uma relação de causa-efeito entre as leis penais e a onda de crimes violentos?

Acho que é muito cedo para tirar essa conclusão. A percepção que tenho é que a causa estruturante se relaciona com os problemas que a Europa está a atravessar: em termos económicos, sociais e no aumento dos fluxos migratórios registados. E isso tem consequências. O crime não aumenta nem diminui por força de alterações legislativas. As causas são totalmente periféricas. São como a picada de mosca no dorso de um elefante.

Mas não passa uma ideia de brandura perante os criminosos?

Acha que os crimes de homicídio nos EUA diminuíram porque há pena de morte? Não. Geralmente a gravidade dos fenómenos não passa por aí. Estou convencido de que os nossos conceitos penais e processuais penais vão ser reciclados e repensados se a Europa começar a ter problemas ainda mais complicados.

Mas, neste contexto em que há mais insegurança, não é contraditório que com as leis penais parece mais importante dar garantias de defesa ao arguido do que às condições de segurança dos cidadãos...

Porque não havia essa sensação de insegurança nessa altura... Isso foi posterior à feitura dos códigos. Acho que é preciso ver se este sentimento de insegurança é uma insegurança objectiva. Se existe mesmo.

A prisão preventiva deveria ser mudada?

Acho que a lei não pode ser mudada de três em três meses ou de seis em seis meses. Não podemos alterar a lei sem dados concretos de que a culpa é da nova lei.

Mas há um dado objectivo que é a não aplicação de prisão preventiva por causa da nova lei a determinados casos..

Há quatro anos dizia-se que os juízes prendiam de mais e agora diz-se que prendem a menos... Os juízes não mudaram tanto assim em quatro anos.

O regime de responsabilidade extracontratual pode fazer com que a magistratura esteja mais atenta nas suas decisões?

Subliminarmente isso pode acontecer. O princípio político que resulta dos estados modernos é o de que quem exerce funções de soberania exerce-as por mandato e em princípio não pode ser responsabilizado. Os deputados não são responsabilizados nem o Chefe do Estado. Mas podem dizer, contra esta minha ideia, que o juiz não é eleito, mas o rei também não é eleito. Admito que possa haver casos em que um juiz possa ser responsabilizado mas só em casos muito restritos.

Mas isso não passa a imagem de que a magistratura é intocável?

Mas e os deputados são intocáveis? E o Presidente da República é intocável? Se vamos insistir neste sistema de responsabilização, o sistema paralisa porque ninguém quer desempenhar esse papel.

Existem casos de responsabilização por erros judiciais ?

No nosso sistema conhece algum? Acho que se critica muito os tribunais portugueses mas de vez em quando aparecem notícias de americanos e britânicos que estão anos e anos presos e que depois se descobre que são inocentes. Os EUA, nos últimos anos, tiraram da cadeia mais de 150 casos de pessoas que afinal estavam inocentes.

Está a dizer que isso não se passa cá. Mas e o caso do Paulo Pedroso e a prisão ilegal?

Aqui não foi considerado erro judiciário. Porque isso só existe quando há uma decisão definitiva do tribunal.

Então o que é o erro grosseiro?

O que está em causa é um erro grosseiro na avaliação dos pressupostos da prisão preventiva. Nesse caso, uma pessoa pode até estar presa preventivamente e depois vir a ser absolvida.

Mas esse erro neste caso pode ser alvo de responsabilização?

Pode, sim.

Por Filipa Ambrósio de Sousa, in
DN Online.

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