quarta-feira, setembro 17, 2008

A cabala

Por Rui Rangel, Juiz Desembargador
Estado das Coisas, in
Correio da Manhã


“Se alguém tem provas da cabala, faça um favor à democracia e apresente queixa ao Ministério Público”


"Cabala é uma teoria esotérica religioso-filosófica, que se alimenta do conluio, da intriga secreta entre indivíduos que conspiram para o mesmo fim, por meio da maquinação e da tramóia. Pressupõe a existência de um grupo de conspiradores, com um plano pré--concebido e consciente para suprimir, manipular e distorcer provas ou inventar e ocultar factos. É típica das ideologias totalitárias e serve para os dominadores exercerem a sua influência sobre os dominados. Lendo e interpretando estas palavras, com o silêncio da consciência,comopode continuar a alimentar-se a teoria da conspiração, a propósito do chamado‘Processo Casa Pia’?

A justiça terá cometido erros judiciários; o Ministério Público, que tinha a liderança do processo, falhou em partes da investigação, como sucedeu com as escutas telefónicas; as polícias também falharam e o procurador-geral, à época, também não andou bem. Então, pergunta-se: como é que se passa da constatação de uma investigação, é certo, nada modelar, típica dos megaprocessos, para a teoria da conspiração, alimentando este alvoroço público com a tese da cabala?

Entre os erros da justiça, cometidos sem intenção, e a existência de um grupo de militantes conspiradores, que ‘abocanharam’ o processo, manipulando e inventado factos e provas, para fragilizar o PS, vai uma diferença enorme. E só se lembram da cabala quando estão em causa os chamados intocáveis deste país? Em democracia não há gente intocável. Ainda assim, a existir conspiração, ela parece ter favorecido o PS porque, com uma liderança mais nova, ganhou as eleições com maioria absoluta. Será caso para dizer que os conspiradores, investidos na pele de investigadores criminais, foram muito incompetentes.

Recuso-me a alimentar esta nuvem de fumo. A cabala aqui pode ter duas caras: por que não falar da cabala contra a justiça urdida por quem se considerava intocável? É certo que a justiça não devia errar, mas já foram cometidos erros involuntários contra cidadãos anónimos e jamais se falou em semelhante teoria. São as leis que tornam o sistema judicial um paradigma de obsolescência.

Por estas razões, afigura-se que a abertura de um inquérito, para apurar a cabala, é inoportuno, desprestigiante e só serve para engrossar o ruído e a especulação indemonstrável em sede de prova. Será mais um inquérito para arquivar, com os custos públicos e sociais envolventes.

Mas se alguém tem provas da cabala faça um favor à democracia e apresente queixa ao Ministério Público."

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