segunda-feira, setembro 15, 2008

Códigos Penal e do Processo Penal geram polémica

A revisão dos Códigos Penal e do Processo Penal completa hoje o seu primeiro ano de vigência, numa altura em que vários magistrados estabelecem ligação entre a nova legislação e o aumento da criminalidade e criticam alterações à prisão preventiva.

O ministro da Justiça, Alberto Costa, em declarações ao Expresso, disse que "as leis penais não devem ser revistas em função de emoções e acontecimentos de momento", acrescentando que, em relação a uma eventual alteração dessa legislação, "é a Assembleia da República que tem a palavra".

"O Governo já disse que iria proceder durante dois anos à monitorização da aplicação dos códigos", disse também Alberto Costa, ao referir-se ao trabalho que foi solicitado pelo Governo ao Observatório da Justiça, dirigido pelo sociólogo Boaventura Sousa Santos e que funciona junto da Universidade de Coimbra.

"As leis penais resultam de uma revisão aprovada na Assembleia da República pelo PS, PSD e, em relação à prisão preventiva e à detenção, com os votos do CDS. Representam uma opção da República em relação a esses problemas. Não prender por norma foi uma opção da República", realçou o governante.

Sobre a problemática da prisão preventiva, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), António Martins, referiu que os critérios para a aplicação desta medida de coacção já "não são os mesmos".

"Para começar, mudaram os critérios que permitem a detenção fora de flagrante delito. Passou a ser exigível que haja ´fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado´", explicou o magistrado.

António Martins adianta que "não é de admirar, por isso, que as detenções efectuadas fora de flagrante delito tenham diminuído avassaladoramente".

Por seu lado, o procurador Rui Cardoso, da direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que recentemente estabeleceu uma ligação de causa-consequência entre as reformas penais de 2007, a redução do número de presos e o aumento da criminalidade violenta, fez, em declarações à Lusa, um balanço "bastante negativo" do primeiro ano de vigência do novo Código de Processo Penal (CPP).

"O novo CPP não conciliou a protecção da vítima e da sociedade com as garantias de defesa do arguido, desequilibrando a balança a favor deste último, e criou grandes dificuldades ao combate e investigação da criminalidade económico-financeira, grave e violenta", disse o procurador Rui Cardoso.

Também Rui Rangel, presidente da Associação dos Juízes pela Cidadania, manifestou-se preocupado com as consequências desta reforma.

"O balanço desta reforma penal é catastrófico. Não tem só a ver com o clima de insegurança que gerou, mas com os prejuízos que a criminalidade está a provocar", disse Rui Rangel.

As alterações de prazo no segredo de justiça introduzidas pela nova lei processual penal estão, segundo advogados e magistrados, a gerar "ambiguidades" e a provocar dificuldades nos casos de investigação mais complexa e morosa.

Já o juiz conselheiro (jubilado) do Supremo Tribunal de Justiça Fisher Sá Nogueira admitiu que, nos casos de corrupção altamente organizada e que "são extremamente difíceis de investigar", a redução dos prazos do segredo de justiça "pode significar o fim do processo e a não acusação".

Segundo o ex-bastonário da Ordem dos Advogados Rogério Alves, existe "alguma ambiguidade" em relação ao novo regime do segredo de justiça, já que admite que o prazo inicial seja prorrogado por três meses e torna possível uma segunda dilatação do prazo, mas sem especificar durante quanto tempo.

Também a propósito do sistema da prisão preventiva, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados José Miguel Júdice realçou, que "é melhor estarem 100 criminosos à solta do que um inocente na cadeia".

Entretanto, a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, directora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, salientou há poucos dias, em entrevista à RTP, que "a criminalidade está a crescer" e que a aplicação do novo Código de Processo Penal veio transmitir uma "mensagem de brandura para quem pratica crimes".

Em Julho último, o Procurador-Geral da República (PGR), Pinto Monteiro, apelou ao Governo e ao Parlamento para que tenham a "coragem" de alargar os prazos do segredo de Justiça nos crimes de grande complexidade, como os da "Operação Furacão", em que estão a ser investigadas empresas de vários sectores (incluindo construção civil e casinos) por alegada fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Com as alterações feitas às leis penais em 2007, a prisão preventiva passou a ser aplicável a crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a cinco anos (anteriormente o limite era de três anos) e em situações de terrorismo, criminalidade violenta ou "altamente organizada" (conceito que abrange crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico e influência ou branqueamento).

O novo Código de Processo Penal atribui, entre outras medidas, o direito de indemnização a quem tiver sofrido privação da liberdade e vier a ser absolvido por estar comprovadamente inocente.

Quanto aos meios de investigação e de obtenção de prova, no regime das escutas telefónicas, o CPP explicita que só podem ser objecto de escuta "arguidos ou suspeitos e pessoas que sirvam de intermediário e também as vítimas, com o seu consentimento, na fase de inquérito".

in
Expresso.

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