terça-feira, maio 20, 2008

Sobre a utilização de jovens advogados sem serem pagos

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"Eu quero ir para direito para combater as injustiças. É uma área fascinante, onde se pode mudar muito do que está mal na sociedade". Perante a visão romântica de Vasco Silva, 18 anos, a maioria dos cerca de 35 alunos da Secundária Maria Amália, em Lisboa, que participaram ontem num debate englobado no Dia do Advogado na ABBC, uma das principais sociedades de advogados portuguesas, franziu o sobrolho e avisou o amigo sobre "as horas de marranço que o esperam".

Embora por outras palavras, foi precisamente um quadro "muito complicado" que o Juiz Desembargador Eurico Reis, um dos participantes no debate, traçou a todos aqueles que pretendem frequentar os cursos judiciários. "Têm que ter uma grande disciplina, que representa muitas horas de estudo, e saber muito bem o que querem, para o que têm vocação". A falar para um auditório quase lotado e decorado com cerca de uma dezena de quadros de José Guimarães, Eurico Reis defendeu que Portugal assistiu nos últimos anos a uma excessiva liberalização dos cursos de direito. Segundo o Juiz Desembargador, esta situação conduziu a "uma desadequação entre a quantidade de juristas que as faculdades emanam e o que o mercado está preparado para receber e situações onde os estagiários raras vezes são remunerados e cumprem horários de 10 e 12 horas".

Luís Filipe Carvalho, conhecido advogado ligado à ABBC (as iniciais dos sócios fundadores Azevedo Neves, Benjamim Mendes, Bessa Monteiro e Cardigos&Associados), discorda de Eurico Reis e afirma que se criou a ideia errada que na maioria dos grandes escritórios os recém-licenciados trabalham sem qualquer salário. E é precisamente um dos sócios da ABBC, Benjamim Mendes, quem garante que "as sociedades de advocacia procedem a elevados esforços de formação e de criação de condições de inserção dos estagiários na vida activa, e que eles ganham entre 500 e 800 euros".

Apesar dos números optimistas, os representantes da ABBC reconhecem que no seio da advocacia existem realidades completamente diferentes. "É um profissão multifacetada, onde encontramos todos os estratos sociais, quem só se debruce sobre um assunto e quem esteja isolado no interior, e nessas situações encontramos diferenças muito significativas das que existem nos grandes centros", admite Luís Filipe Carvalho. Essa é mesmo uma das principais características da advocacia portuguesa: a concentração em grandes sociedades, sendo que só em Lisboa estão sedeados 15 mil advogados, mais de metade dos 27 mil registados na ordem. "Um jovem advogado confrontado com as exigências da integração na profissão vê-se perante duas opções: ou se associa ou é absorvido pelos grandes escritórios, o que acaba quase sempre por acontecer, até como reflexo da nossa sociedade civil pouco dinâmica".

Entre a plateia, os mais de 30 jovens (com clara maioria de raparigas, 23, contra apenas oito rapazes) dos 11.º e 12.º anos da Escola Maria Amália Vaz de Carvalho, ouviam em silêncio os oradores. O que nem por isso demonstrava especial interesse pela matéria em debate, sempre disputado pelo constante teclar de mensagens no telemóvel. Ainda assim, Luís Filipe Carvalho não desanimou e esforçou-se por mostrar o lado digno da advocacia, contra os preconceitos que atingem a classe. "Porque esta é uma profissão que deve ser exercida com dignidade e cabe-nos a nós alertá-los para um conjunto de deveres e direitos cada vez mais recorrentes nas nossas sociedades", defendeu o antigo membro da Ordem dos Advogados. "E porque as sociedades mais civilizadas são aquelas onde a comunidade é mais vigilante", acrescentou Eurico Reis. Como resposta, três estudantes com nítido ar de enfado levantaram-se em direcção à porta. "Vamos embora, estamos fartas de estar aqui".

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DN Online.

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