sábado, janeiro 26, 2008

Juízes atacam desmantelamento do sistema pelo actual Governo

O poder político - leia-se poder legislativo, o que engloba o Governo e a Assembleia da República - foram, ontem, acusados de estar deliberadamente a destruir o sistema judicial, transformando os juízes em meros funcionários públicos, com o intuito último de os manipular. As críticas dos magistrados fizeram-se ouvir da tribuna do salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), durante o 1º Congresso Ibérico do Poder Judicial, promovido pelo Fórum Permanente Justiça Independente.

Numa das intervenções mais contudentes da sessão, Orlando Afonso, presidente do Fórum e juiz-desembargador da Relação em Évora, disse preferir "quebrar que torcer" face ao "desmantelamento do sistema judiciário português que merece a aprovação de uns tantos, a indiferença e conformismo de um largo número e a reprovação de muitos".

Este magistrado disse haver uma convergência de interesses entre a comunicação social, os políticos e os interesses de certos grupos económicos em desacreditar a acção da Justiça. Pressão essa que fez o Governo mexer nos Código Penal e de Processo Penal, sentindo-se dessa forma legitimado para interferir na independência do poder judicial e retirar aos juízes, direitos adquiridos.

Rui Rangel disse, ao JN, após a sua intervenção matinal, que como o Governo não pode alterar o estatuto dos magistrados por se tratar de matéria constitucional, está a retalhá-lo através de leis avulsas.

"É a lógica de, através da criação de legislação avulsa, ir estilhançando o estatuto dos juízes, passando despercebido e assim vai retirando a dignidade institucional e a soberania judicial", referiu o juíz desembargador da Relação em Lisboa.

União contra ofensiva

O apelo à união dos magistrados em defesa dos seus direitos foi uma constante no congresso, bem como a afirmação de que se sucedem as ameaças à independência judicial "que não é um dado adquirido", segundo frisou António Martins, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses.

Por sua vez, Orlando Afonso disse ser inegável "a apropriação do poder público por grupos de interesse privados que interagem ao nível dos órgãos de soberania, reféns deste tipo de grupos", e realçou que "a pureza do Parlamento e dos Governos do século XIX acabou há muito tempo".

Aplausos ecoaram quando o desembargador em Évora referiu que "o Código de Processo Penal é hoje pôr um juiz a deambular num labirinto de nulidades e negações" e é tamanha a profusão de interpretações que "ninguém se entende".

O que poderia ter agilizado os trâmites processuais não foi em nada alterado, assinalou o mesmo orador, sublinhando que, por exemplo, continua a ser permitido a um advogado apresentar tantas testemunhas quantos "os nomes de uma lista telefónica ou da necrologia". E depois "há mil testemunhas, o processo demora quatro ou cinco anos e pode prescrever!"

António Martins preferiu usar uma alegoria para dizer que "alguns querem transformar os tribunais em fábricas de sentenças e os juízes em trabalhadores em série" e que a solução é empregar um nível de excelência que seja inatacável.
Por Alexandra Marques, in Jornal de Notícias.

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