domingo, janeiro 13, 2008

Governo ignorou apelo dos juízes

É com mágoa que Edgar Lopes, juiz de Direito e vogal do Conselho Superior da Magistratura (CSM), fala sobre a presença dos magistrados no futebol. Empenhou-se pessoalmente na questão e em Dezembro de 2006 viu sair do órgão de disciplina dos juízes uma proposta de lei. Foi aprovada por unanimidade e previa que os magistrados judiciais não pudessem ser membros dos órgãos estatutários de entidades envolvidas em competições desportivas profissionais. Apenas os juízes jubilados ou os que tivessem afastados da judicatura.


Treze meses depois, o Governo continua a ignorar a questão, que na altura foi aplaudida por todos e que levou até o secretário de Estado de Desporto a congratular-se. “Os juízes é que decidem. Seguiremos as suas indicações”, disse então Laurentino Dias.

“Até hoje nunca mais nos disseram nada. A proposta continua na Assembleia da República e não houve qualquer informação ao CSM”, contou.

Edgar Lopes lembra que a proposta era prioritária, depois de múltiplos escândalos terem abalado a credibilidade da justiça. “É uma bomba-relógio. Os juízes continuam no futebol e em outras modalidades. Um dia destes há outro caso Mateus e vamos todos lamentar a situação”, continuou.

Posição diferente tem Gilberto Madaíl. Presidente da Federação Portuguesa de Futebol há mais de uma década, o dirigente não entende a posição do CSM. E critica a concentração das atenções no mundo da bola. “O futebol não tem lepra. As pessoas são tão sérias quando trabalham no futebol como quando estão noutro quadrante”, afirma.

O responsável da FPF relembra que não há qualquer magistrado no actual Conselho de Justiça (CJ). Mas gostava. “A presença de magistrados num CJ confere maior credibilidade ao órgão. E tem mais impacto junto da opinião pública um acórdão assinado por alguém com créditos firmados na aplicação da lei”, assevera Madaíl.

O presidente da Liga esteve indisponível para falar ao CM. Fonte próxima de Hermínio Loureiro disse apenas também não entender a posição dos juízes. “Não vemos inconveniente na participação de juízes nos órgãos disciplinares da Liga. Não perderão credibilidade”.

SÃO MUITOS OS MAGISTRADOS NOS ÓRGÃOS

Jacinto Meca - Vogal da Comissão Disciplinar da Liga

Jorge Santos - Vogal da Comissão Disciplinar da Liga

José Ponce Leão - Vogal da Comissão Arbitral da Liga

Mário Almeida - Vogal da Comissão Arbitral da Liga

Manuel Soares - Vogal da Comissão Arbitral da Liga

Arlindo Pinto - Vogal da Comissão Arbitral da Liga

Cândido Lemos - Vogal da Comissão Arbitral da Liga

Jorge Esteves - Vogal da Comissão Arbitral da Liga

Pinto Fonseca Ramos - Vogal da CA da Liga

Ant. Carneiro da Silva - Vogal Suplente da CA da Liga

Herculano Lima - Renunciou ao CJ da FPF

Costa Mortágua - Renunciou ao CJ da FPF

Maria Perquilhas - Renunciou ao CJ da FPF

Marcolino Jesus - Renunciou ao CJ da FPF

Pires Rodrigues - Renunciou ao CJ da FPF

Pedro Mourão - Dirigente da Federação de Andebol

PRESIDIU A ÓRGÃO MAS HOJE JÁ NÃO O FAZIA

O actual procurador-geral da República, Pinto Monteiro já presidiu ao CJ da FPF. Em Fevereiro de 2007 veio a público dizer que não voltaria a aceitar o convite, considerando que o futebol é “um risco muito grande” para os magistrados. Gilberto Madaíl, ressalvando o seu apreço pessoal por Pinto Monteiro, considera que tem de haver apenas um peso e uma medida. “Se exigirem a saída de magistrados do futebol, então que exijam o mesmo em todos os Conselhos de Administração e de Justiça espalhados pelo País. Durante a presidência do actual PGR, não houve qualquer problema no CJ e já estiveram no Conselho procuradores, inclusivamente do Departamento de Investigação e Acção Penal, que não deixarem de intervir nos processos de forma idónea”, sublinha.

JUIZ LAMENTA ATRASO DA AR

Edgar Lopes, juiz de Direito, lamenta que a AR nunca mais legisle sobre a matéria. “Isto é uma bomba-relógio”; disse o magistrado ao CM.

REUNIÕES PROVOCAVAM AUSÊNCIAS

Um procurador da República foi punido pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) por faltas ilegítimas ao serviço. O magistrado fazia parte do Conselho de Disciplina da Federação e o CSMP entendeu que a ida às reuniões do órgão provocavam “ausência ilegítima”. O que implica, diz o órgão que pune os magistrados do MP, “para além de responsabilidade disciplinar, a perda de vencimento durante o período em que se tenha verificado”. O CSMP decidiu então aplicar uma multa ao magistrado e ordenou aos serviços responsáveis pelo processamento dos vencimentos que verificassem o “número de dias úteis em que se verificou a ausência ilegítima do procurador”, para que aquele devolvesse os pagamentos.

JUIZ PEDIU ESCUSA DO PROCESSO

António Carneiro da Silva é um dos muitos juízes na Comissão Arbitral da Liga de Clubes. Magistrado no Tribunal de Gondomar, calhou-lhe apreciar o processo ‘Apito Dourado’ que, no próximo dia 11, chega a julgamento. António Carneiro da Silva pediu escusa e alegou, na Relação do Porto, que a sua imparcialidade podia ser posta em causa. Não que sentisse que não tinha suficiente independência para julgar, mas porque entendia que a sua presença em órgãos desportivos podia levar as pessoas a desconfiarem da sua isenção. A Relação do Porto não lhe deu razão e confirmou- -o no processo. Já foi ele, também, que apreciou o processo de Pinto da Costa contra o Estado, em que o presidente do FC Porto pedia 50 mil euros de indemnização.

DE ESCÂNDALO EM ESCÂNDALO

O ‘Apito Dourado’, a maior investigação alguma vez feita ao futebol português, destapou um mundo de cumplicidades perigosas. Valentim Loureiro falava com os juízes que compunham os órgãos da Liga como se de o ‘patrão’ se tratasse. Aqueles respondiam como podiam e se muitas das situações apuradas não determinaram a acusação por crimes concretos pelo menos é certo que mostraram cumplicidades intoleráveis.

Gomes da Silva, então presidente da Comissão Disciplinar da Liga, viu-se na altura enredado em polémicas. Tal como Costa Mortágua, presidente de um órgão da Federação. Juízes de tribunais superiores que acabaram apanhados pela PJ em conversas tidas como suspeitas.

Havia depois um agravante. Caberia a Gomes da Silva abrir inquéritos disciplinares por uma investigação que o visava a si próprio. Pedro Mourão, outro juiz da Comissão Disciplinar, protestou que não o fazia por temer as consequências e os casos ainda hoje se arrastam.

O ‘caso Mateus’ veio depois rebentar com a paz podre. Discutia-se a descida do Gil Vicente para a II Liga e os juízes trocaram acusações na praça pública.

Houve suspeitas de fraudes em acórdãos, combinações de corredor não coincidentes com a verdade da justiça. Gomes da Silva bateu com a porta e Pedro Mourão saiu a seguir.

NOTAS

PAGAMENTOS ILEGAIS

Os juízes não podem ser remunerados nos órgãos disciplinares. Alguns recebiam, no entanto, senhas de presença.

PROCURADORES PODEM ESTAR

O Conselho Superior do Ministério Público nunca sugeriu a inclusão na lei da proibição. Mas o órgão também não quer os magistrados do MP no futebol.

CONSTITUCIONAL CHUMBOU LEI

O Tribunal Constitucional chumbou, em 1993, uma lei da Assembleia da República que tentava proibir os juízes de exercer “funções estranhas” não remuneradas

Por Tânia Laranjo / Sérgio Pereira Cardoso, in
Correio da Manhã.

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