Por Prof. Dr. Luis Menezes Leitão
in Jornal Sol (22 de Julho 2025 - às 16:09)
"Nos termos do art. 23º da Constituição, o Provedor de Justiça é um órgão independente eleito pelo Parlamento, competindo-lhe receber as queixas dos cidadãos por acções ou omissões dos poderes públicos, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças. O art. 1º, nº1, do Estatuto do Provedor de Justiça esclarece que a sua função principal é «a defesa e promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos», acrescentando o art. 1º, nº4 que o mesmo «goza de total independência no exercício das suas funções».
Não pode por isso deixar de suscitar perplexidade que a provedora de Justiça que estava em funções tenha renunciado ao seu cargo para assumir as funções de ministra da Administração Interna do actual Governo. Efectivamente, se as funções do Provedor de Justiça consistem em defender os cidadãos de acções ou omissões dos poderes públicos, não é minimamente adequado que o seu titular renuncie ao cargo para passar, enquanto membro do Governo, a liderar a administração interna, designadamente as polícias cuja actuação lhe competia fiscalizar enquanto Provedor.
O manifesto conflito de interesses que esta situação representa ficou claramente demonstrado perante a comunicação da Provedoria de Justiça sobre a operação policial na Rua do Benformoso. Quando a mesma foi realizada, a actual Ministra da Administração Interna era a Provedora de Justiça em funções, tendo por isso recebido as queixas dos cidadãos relativas a essa operação. Agora a Provedoria de Justiça, sem que novo Provedor de Justiça tenha sido designado, publica um relatório em que afirma que «foram detectadas falhas graves na planificação da operação» quanto à «previsão da necessidade de realização de revistas pessoais e sua justificação». Mas a anterior Provedora de Justiça, agora já na qualidade de ministra da Administração Interna, vem dizer que a Provedoria de Justiça «não aponta críticas ou falhas estruturais» à acção da polícia no Benformoso, não tirando por isso quaisquer consequências do relatório dos serviços da Provedoria que anteriormente dirigia.
Para além disso, o art. 15º, nº3, do Estatuto do Provedor de Justiça obriga a que, em caso de vacatura do cargo, o novo titular seja designado nos 30 dias imediatos, salvo se o Parlamento estiver dissolvido ou não estiver em sessão. Tendo a renúncia ocorrida em 4 de Junho, é manifesto que o novo Provedor de Justiça já teria que ter sido designado, pelo que o adiamento da sua eleição para depois das férias (espera-se que não para as calendas gregas) é uma clara violação do seu Estatuto.
Já quanto à maioria exigida para a designação do Provedor de Justiça, refere o art. 5º, nº1, do Estatuto que o mesmo «é designado pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funçõe». Tem sido dito, no entanto, que existe há muito tempo um acordo entre PSD e PS para que, quando o Presidente do Conselho Económico-Social seja escolhido por um dos dois partidos, a designação do Provedor de Justiça caiba ao outro. Nesse enquadramento, e apesar de PSD e PS já não terem uma maioria de 2/3 dos deputados, caberia ao PS indicar o nome para Provedor de Justiça. Se tal se vier a concretizar, teremos assim que um Provedor de Justiça que deveria reunir na sua eleição o apoio de uma grande maioria dos deputados, será afinal escolhido pelo terceiro partido do Parlamento.
Perante tudo isto, se alguém julgava que as instituições em Portugal estavam a funcionar normalmente, que perca desde já essa ilusão."


Sem comentários:
Enviar um comentário