segunda-feira, agosto 23, 2010

Nova Justiça

Por Prof. Dr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE
(in DN Online)


"A justiça deve ser célere, igualitária e previsível. A justiça portuguesa padece precisamente dos vícios contrários: é lenta, desigual e imprevisível. Por isso, por vezes roça mesmo o arbítrio. É, pois, compreensível o grau de insatisfação dos portugueses com esta justiça. Não obstante o Estado ter cerca de 75 000 pessoas com emprego directo nos tribunais, polícias, prisões, conservatórias e serviços ministeriais da justiça e administração interna e este serviço público consumir mais de 2% do PIB por ano, os resultados são sofríveis.

Os vícios da justiça portuguesa têm remédio. Para tanto é crucial o reforço do papel do Conselho Superior da Magistratura, que deverá gerir de forma articulada e uniforme os corpos de juízes dos tribunais judiciais, administrativos, fiscais e do Tribunal de Contas. Além da sua competência clássica relativa à nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes e ao exercício da acção disciplinar, o conselho deve tomar parte na discussão do Orçamento e prestar contas à Assembleia da República da gestão feita no exercício anterior. O instrumento prático desta prestação de contas anual é a contingentação de processos, cuja coordenação deve também competir ao conselho, sem prejuízo das competências internas dos presidentes dos tribunais. Estes respondem perante o conselho e o conselho responde perante a Assembleia da República. Destarte, o poder de gestão dos efectivos humanos e dos processos terá um rosto e assumirá a responsabilidade diante do órgão parlamentar de justificar o modo como geriu os recursos postos à sua disposição.

É também crucial privilegiar o papel do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Administrativo (STA) na estabilização da jurisprudência. Esse deve ser o papel primordial dos supremos tribunais e não, como sucede hoje, uma terceira instância da generalidade dos processos. Verdadeiramente o sistema de recursos não passa de uma cadeia de produção de papel, repetindo muitas vezes as instâncias superiores o que as inferiores já disseram. É certo que este sistema alimenta os escritórios de advogados, permitindo recursos repetíveis e infindáveis de tudo e mais alguma coisa. É também certo que este sistema engorda o número dos magistrados nos tribunais superiores, tornando-os uma instância regular de progressão na carreira. Todos ganham alguma coisa, menos o destinatário da justiça, o cidadão que clama por justiça, que a paga cara e a obtém, quando a obtém, tarde e a más horas. Mais: no processo penal, hoje é possível que um juiz do tribunal superior decida em contrário do que três juízes togados decidiram na primeira instância ou até do que decidiu o tribunal de júri composto por sete juízes. A garantia do triplo grau de jurisdição constitui neste domínio uma verdadeira fraude.

Para pôr cobro a esta situação, o STJ e o STA deverão ter competência para decidir apenas os recursos de uniformização de jurisprudência, os recursos sobre questões com interesse para o desenvolvimento do Direito e as acções em primeira instância que a lei determinar. A composição dos supremos deve ser adequada à sua competência. O STJ deverá ser composto por um presidente e 12 juízes, divididos por uma secção cível, outra criminal e outra laboral. O STA deverá ser composto por um presidente e oito juízes, divididos por uma secção administrativa e outra tributária. Estes altos tribunais deverão ser compostos pela nata dos juristas portugueses, mulheres e homens de altíssima craveira intelectual, seleccionados em virtude do seu mérito científico e da sua carreira profissional.

É ainda crucial aproximar a justiça do povo. Trata-se de reforçar a legitimidade popular da justiça, o que constitui um imperativo de bom senso num momento de crise de confiança nas instituições judiciárias. Para tanto há duas medidas estratégicas. Por um lado, promover a cobertura nacional dos julgados de paz, alargar as respectivas competências e autonomizá-los do jugo do Governo, devendo ser preferidas as localidades que tenham perdido tribunal por força do novo mapa judiciário. Por outro lado, alargar a competência e a composição popular do tribunal de júri. Não se trata de introduzir entre nós a solução exigente do escabinato alemão, mas mais modestamente de alargar o número de elementos não togados no júri e permitir a sua intervenção mais amplamente no processo criminal e civil."

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