domingo, agosto 08, 2010

A Justiça e a PlayStation 2

Por Pedro Sousa Carvalho


"Esta semana foi escrita mais uma página negra na justiça portuguesa. Mais uma página num livro já volumoso de fazer inveja ao Guerra e Paz do Tolstoi. Mas nós por cá só temos guerra.

É o Procurador a metralhar em todas as direcções, os magistrados a ripostarem com granadas, dizendo que o inimigo "está moribundo" e, no meio do fogo cruzado está o ministro da Justiça com uma bandeira branca, num tom apaziguador que mal se ouve no meio de tanto berreiro.

Como estamos a escrever de justiça é preciso sermos justos. Tal como escrevia esta semana Rui Rangel, no Correio da Manhã, é preciso separar as águas. Há justiça e justiça. Talvez não seja justo colocar no mesmo saco tudo aquilo que achamos que seja a justiça - polícias, ladrões, juízes, advogados, tribunais, cadeias, etc... - e julga-los à luz das trapalhadas do Ministério Público.

Mas a verdade é que quando um cidadão comum, em que me incluo, olha para a justiça em Portugal só vê trapalhadas e casos insólitos e inusitados, da base ao todo da pirâmide hierárquica. Ainda esta semana, fomos brindados com uma história burlesca de uma greve de fome na cadeia de Sintra onde os presos reclamam os mesmos direitos que os presos de Custóias. Por causa de diferentes interpretações que os estabelecimentos prisionais fazem da lei, uns têm direito a jogar a PlayStation 2, enquanto aos outros só lhes é permitido o acesso à mais arcaica versão da consola, a PS1.

É um caso caricato, mas é ilustrativo dos inúmeros problemas da justiça em Portugal. Há um sem número de formas de interpretar a mesma lei, a justiça é lenta e interminável, existem sucessivas violações do segredo de justiça, há falta de articulação entre polícias e o Ministério Público, existe uma suspeita de promiscuidade entre o poder político e a justiça, etc...

Estes são alguns dos problemas estruturais que enfrenta a justiça e os desenvolvimentos a que assistimos esta semana nos mediáticos casos do Freeport e da Casa Pia são nada mais do que o espelho daqueles problemas que se arrastam há anos. E com os problemas arrastam-se os processos. Pelo meio já fizemos uma revisão do código penal e do código do processo penal, à pressão do mediatismo do caso Casa Pia, e já voltamos a desfazer quase tudo e regressar à estaca zero, com a mesma ligeireza do que quando fazemos um ‘reset' num jogo da PlayStation.

E o mediatismo parece ser directamente proporcional às trapalhadas e à longevidade dos processos. A Casa Pia já leva mais de oito anos e o Freeport mais de seis. No primeiro caso, ninguém parece estar com muita pressa para ler o acórdão e os intermináveis recursos atrás de recursos já levaram o juiz, em sinal de claro desespero, a recorrer àquela expressão inglesa ‘enough is enough'. Já no segundo caso, parece haver uma pressa inusitada para fechar o processo o mais rápido possível, esteja a investigação terminada ou não, estejam as perguntas feitas ou não. E tal como aconteceu na revisão do código penal e do código do processo penal, lá vamos nós outra vez lançados e, no calor do momento, alterar à pressa o Estatuto do Ministério Público. É caso para dizer ‘game over'."

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