sexta-feira, abril 18, 2008

Maria José Morgado discorda da repetição de depoimentos das crianças vítimas de abusos sexuais

A magistrada Maria José Morgado discorda da repetição de depoimentos das crianças vítimas de abusos sexuais, defendendo que os mesmos devem servir do início ao fim do processo para evitar uma «dupla vitimização».


Maria José Morgado referia-se a uma das recomendações do Grupo de Prevenção do Abuso e do Comércio Sexual de Crianças Institucionalizadas, por si coordenado e criado por indicação do Procurador-Geral da República.

No relatório divulgado no início de Abril, o grupo de trabalho apontava a importância da existência de salas de vidro unidireccional (eventualmente designadas por salas de interrogatório) que permitam a intervenção de várias estruturas de investigação, sem a consequência nefasta de excesso de investigadores em contacto directo com a vítima.

A procuradora-geral adjunta explicou que a gravação dos depoimentos é obrigatória no caso dos crimes sexuais, mas o que o grupo sugere é uma única audição do depoimento numa sala com vidro unidireccional que permite a presença de vários técnicos sem que a criança os veja.

Maria José Morgado explicou que, com este sistema, a criança é vista - por uma equipa multidisciplinar, se for caso disso, composta por polícias, magistrados, psicólogos e médicos -, mas não vê que está a ser observada por todas estas pessoas.

«Isso é bom porque permite uma inquirição mais confortável e permite maior espontaneidade, porque é esmagador que a criança tenha uma dezena de olhos à sua volta. Isso tem de ser evitado e às vezes não é», disse.

Um estudo desenvolvido pela psicóloga forense Catarina Capela Ribeiro divulgado recentemente revelou que uma criança abusada sexualmente e cujo crime chega às autoridades repete em média oito vezes os factos da investigação, o que faz dela novamente uma vítima.

«Espero não ter de ir lá outra vez», «tive de estar ali outra vez a contar tudo...estava cheia de vergonha» ou «depois tive de contar também à dra. da protecção de menores e à médica e agora aqui», foram algumas das frases usadas pelas crianças durante as entrevistas.

Segundo Catarina Ribeiro, o facto de terem de contar e recontar a sua experiência pode produzir efeitos destabilizadores em crianças vítimas de abuso sexual, especialmente nos casos em que têm de testemunhar na presença do arguido.

Num artigo científico, elaborado também por Catarina Ribeiro, em conjunto com a médica forense Teresa Magalhães, do Instituto de Medicina Legal, é feita a defesa da presença de um magistrado no momento de recolha de informação.

O objectivo é evitar outras abordagens em contextos menos apropriados para interagir com crianças.

As duas especialistas defendem que seria desejável que o magistrado titular do processo pudesse estar presente, directamente, em contacto com a vítima, ou observando-a através de um espelho unidireccional, com oportunidade para intervir na colheita de informação, pessoalmente ou através do psicólogo, consoante o caso concreto.

Fonte: Lusa / SOL

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