quinta-feira, outubro 24, 2019

Será que um juiz deve ser secretário de Estado?

Por João Miguel Tavares
in Jornal "Público"



"Este governo não tem só o maior número de ministros (19) e de secretários de Estado (50) da nossa democracia – tem também o maior número de juízes. São três, dois de carreira e uma magistrada que ainda há meia dúzia de meses estava sentada no Tribunal Constitucional. Todos eles são agora secretários de Estado. Infelizmente, não vi muita gente incomodar-se com isto. A mim incomoda-me. Por isso, pergunto: serão estas nomeações de juízes normais e saudáveis, e estarão elas de acordo com aquilo que deveria ser a separação de poderes e o compromisso ético subscrito pelos juízes portugueses?

Eis a lista de juízes ou ex-juízes que integram o novo governo de António Costa. Em primeiro lugar, Antero Luís, que assume a pasta de secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna. Ocupou o cargo de director-geral do Serviço de Informações de Segurança (SIS) entre 2005 e 2011, nos tempos em que José Sócrates era primeiro-ministro e Júlio Pereira secretário-geral do Sistema de Informações da República (SIRP). Para quem conhece vagamente o que foi o SIS e o SIRP nessa altura, tal deveria desqualificá-lo de imediato para um cargo político, para mais com as ligações a António Figueiredo expostas no processo dos Vistos Gold. No que interessa para aqui: Antero Luís era juiz desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa, para onde deverá voltar quando deixar de ser secretário de Estado.

Em segundo lugar, Mário Belo Morgado, nomeado secretário de Estado Adjunto e da Justiça. Foi vice-presidente no Conselho Superior da Magistratura, e há apenas um ano, em entrevista ao Observador, mostrou-se favorável à extinção do Tribunal Central de Investigação Criminal (TCIC), considerando, “a título pessoal”, não ser “saudável” que “um tribunal com jurisdição nacional, como é o caso do TCIC, tenha um quadro de apenas dois juízes – em especial quando esses dois juízes têm perfis tão marcadamente opostos” (Carlos Alexandre e Ivo Rosa). Belo Morgado foi também um dos vários juízes que apareceram, em 2012, na lista de maçons divulgada pelo site Tugaleaks, que revelou os nomes de 1952 membros da loja maçónica Grande Oriente Lusitano. Tanto nos governos de Cavaco Silva como de Durão Barroso, já tinha tido cargos de nomeação política. Agora era juiz conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça.

Catarina Sarmento Castro, secretária de Estado dos Recursos Humanos e Antigos Combatentes, não é juíza de carreira, mas foi até há poucos meses juíza do Tribunal Constitucional. Depois disso, integrou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o tal que foi extremamente simpático para António Costa neste Verão, tanto no caso dos negócios entre familiares de governantes e o Estado, como na questão da requisição civil preventiva, durante a greve dos combustíveis. 

Existe um Compromisso Ético dos Juízes Portugueses onde se afirma – e bem – que um juiz deve opor-se “a qualquer tentativa de politização da sua função” e abster-se de participar em actividades “que impliquem subordinação a outros órgãos de soberania ou o estabelecimento de relações de confiança política”. A independência e a imparcialidade de um juiz não são um botão que se liga e desliga, consoante as funções que ele exerce. Juízes que um dia são nomeados para o governo e no outro dia estão na Relação, no Supremo ou no Constitucional não cumprem o compromisso ético da sua profissão. Podem ir? Podem. Mas façam, ao menos, um favor ao país: não voltem aos tribunais."
Existe um Compromisso Ético dos Juízes Portugueses onde se afirma – e bem – que um juiz deve opor-se “a qualquer tentativa de politização da sua função” e abster-se de participar em actividades “que impliquem subordinação a outros órgãos de soberania ou o estabelecimento de relações de confiança política”. A independência e a imparcialidade de um juiz não são um botão que se liga e desliga, consoante as funções que ele exerce. Juízes que um dia são nomeados para o governo e no outro dia estão na Relação, no Supremo ou no Constitucional não cumprem o compromisso ético da sua profissão. Podem ir? Podem. Mas façam, ao menos, um favor ao país: não voltem aos tribunais.

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