segunda-feira, dezembro 18, 2006

Novos inquisidores


Por Eduardo Dâmaso
(Editorial Diário de Notícias)

"Para quem defende, como o deputado socialista Ricardo Rodrigues, que, afastada para já a hipótese de criar a figura do procurador especial, se deve rever a Constituição no sentido de conferir um poder penal às comissões de inquérito, convém lembrar algum trabalho dessas mesmas comissões.


Há um bom exemplo do tempo da maioria PSD-CDS, liderada por Durão Barroso, que é o da comissão de inquérito sobre os incidentes na construção da estação do metropolitano do Terreiro do Paço. Os deputados da maioria determinaram as regras do inquérito, fizeram a investigação, interrogaram os arguidos e antes da instrução ou do julgamento fixaram as sanções de forma abstracta, imprecisa e indeterminada, jogando exclusivamente com a lógica de um julgamento popular. Ou seja, impuseram as conclusões convenientes, da forma que quiseram e no timing que mais lhes interessava.

Um obscuro deputado do PSD foi o porta-voz da "investigação" e disse que "das audições efectuadas" se podiam "tirar já algumas conclusões" depois de "provados factos": o secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, tinha tido conhecimento do acordo feito com a Metropaço "e nada fez para o impedir". Concluiu ainda que tal decisão, "com impacto de muitos milhões de contos nos cofres do Estado", resultou em "graves prejuízos para o erário público".

Perante um assunto da maior seriedade que, para lá da importância de se saber como foram geridas politicamente as relações contratuais entre o Metropolitano e o empreiteiro, tinha implícito, para o futuro, o delicado problema da segurança de pessoas e bens materiais, os deputados que suportavam a coligação governamental decidiram fazer política rasteira. Um cérebro iluminado qualquer achou que seria de grande oportunidade criar um problema ao PS e ao seu líder na semana em que tinha um congresso e não encontrou melhor pretexto para o fazer do que manipular mais uma comissão de inquérito.

Estes novos "investigadores" (talvez seja melhor chamar-lhes novos inquisidores) da República estão a brincar com o fogo. Instrumentalizaram partidariamente aquilo que deveria ser um dos mais sérios e credíveis mecanismos para apurar responsabilidades políticas, ou seja, para que o Parlamento possa cumprir com rigor uma das suas principais missões: a fiscalização dos actos do Governo. Esta transformação dos inquéritos parlamentares em meras arenas do jogo partidário, que infelizmente já vem de longe e responsabiliza igualmente o PS quando está no poder, é um factor de profunda desacreditação do Parlamento, dos políticos e da política. E agora ainda lhes querem dar um poder de natureza penal!? Não chega já de tanta leviandade!?"

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