Por Eduardo Dâmaso
(Editorial Diário de Notícias)
"O procurador-geral da República jogou um grande trunfo ao nomear Maria José Morgado para coordenar o processo "Apito Dourado". Ao fazê-lo, Pinto Monteiro não só prova à opinião pública um genuíno empenho em desencadear um verdadeiro combate à corrupção no futebol, como faz a primeira grande e hábil demarcação de Souto Moura. Ao tomar uma de-cisão de reorganização e funcionamento do Ministério Público adaptada a um caso de grande dimensão, Pinto Monteiro diz-nos sem palavras o que o ex-procurador devia ter feito nos primeiros momentos do "Apito Dourado".
Este caso, convenhamos, nas suas 81 certidões para novos inquéritos e consequente dispersão territorial superava em muito a capacidade de acção do Ministério Público. Souto Moura não percebeu isso e Pinto Monteiro foi rápido a entender que não podia cometer o mesmo erro do seu antecessor. Não podia deixar perdurar esta triste imagem de um mastodôntico processo caminhar à medida do esforço de um único procurador, instalado na frágil comarca de Gondomar, acompanhado à distância pela sua hierarquia, enfrentando solitário o confronto com arguidos muito poderosos. Ou, de outro modo, caminhando à maneira tradicional do Ministério Público, despachando certidões para as comarcas competentes em razão da territorialidade dada pela prática dos factos sob investigação, ou seja, destinando-as ao arquivamento certo.
Com a nomeação de Maria José Mor- gado é criado um facto novo. Esta procuradora vai ter plenos poderes, vai ter uma equipa própria e escolhida por si, estará instalada no edifício da Procuradoria-Geral da República, não lhe será meramente oferecido um passe de transportes como aconteceu ao procurador de Gondomar, e tem um perfil de elevada densidade. A fasquia das expectativas quanto a resultados é colocada muito alto e as dificuldades são imensas. Desde logo, uma eventual consideração da inconstitucionalidade do diploma que pune a corrupção desportiva no processo de Gondomar terá certamente um efeito de dominó sobre todos os outros. Depois, há o problema de as escutas telefónicas poderem ser consideradas ilegais e, por fim, o muito tempo já perdido também não ajuda nada. No entanto, uma coisa é certa: se os resultados obtidos por Maria José Morgado forem acima da medíocre, ou mesmo inexistente, média nacional no combate à corrupção desportiva, muita coisa pode ser diferente daqui para a frente. É que aqui temos um caso de nomeação de uma procuradora especial, dentro do quadro vigente de processo penal e respeitando o estatuto do Ministério Público. Se resultar, muito terá a justiça portuguesa a aprender com a lição. "
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