Previstas desde 1983, as acções encobertas tornaram-se menos criticáveis em 2001, altura em que a lei obrigou a PJ a delas dar conhecimento ao juiz de instrução. Mas nem por isso deixaram de ser questionadas. Em vários julgamentos por tráfico de droga que correm em tribunais do sul do país têm sido vigorosamente postas em causa pelos advogados de defesa, que acusam a PJ de recorrer a métodos ilegais e a agentes que, em vez de prevenirem o crime, provocam-no.
"A esmagadora maioria (80%) da droga apreendida em Portugal é capturada pela PJ é ela que vai buscá-la ao alto mar, num barco contratado por si; é ela que a deposita num armazém, também arrendado por si", afirma o advogado Hernâni Lacerda, ex-director adjunto da Polícia Judiciária, responsável pelo então chamado Centro de Investigação e Controlo de Droga. Nos quatro processos por tráfico que, actualmente, patrocina, há sempre um indivíduo com uma intervenção fundamental na operação de tráfico, mas que nunca aparece nas fotos tiradas durante a vigilância da polícia e consegue escapar no momento da detenção. "Não estou a santificar a actuação dos compradores, mas, efectivamente, é-lhes montada uma armadilha", defende.
A Lei, segundo o penalista Rui Pereira, director do Observatório de Segurança, está de acordo com a Constituição, na medida em que obriga a PJ a dar conhecimento ao juiz de que está em curso uma acção encoberta. Por outro lado, a acção encoberta é legal quando utilizada com fins preventivos e nunca em relação a crimes irrepetíveis. Se nas 72 horas seguintes, o juiz nada opuser, a acção encoberta está autorizada. No final, a polícia apresenta ao juiz um relatório sobre o decurso da acção.
Fátima Mata Mouros, juíza de instrução criminal, considera, no entanto, que, apesar do "passinho" dado em 2001, "na prática, está tudo na mesma". A juíza distingue dois níveis as acções apenas preventivas, que correm necessariamente no Tribunal Central de Instrução Criminal, e as acções encobertas que correm no decurso dos inquéritos já instaurados nas várias comarcas do país. Aí, e uma vez que só há tribunais de instrução em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora, quem recebe a notícia da acção encoberta é o juiz que se encontrar no tribunal. "E só por muita coincidência é que será esse mesmo juiz a receber o relatório policial final, ou a efectuar o julgamento. O controlo esvai-se", resume.
Por outro lado, acrescenta a magistrada, a lei não prevê que o juiz de julgamento seja informado de que a obtenção de prova foi feita através de uma acção encoberta. A não ser que o juiz de instrução suspeite de que algo não esteve bem e mande juntar a informação ao processo. "Está a julgar de olhos tapados", afirma, perguntando se, numa altura em que tanto se fala "do julgamento leal, isto será um processo leal?".
É um dos poucos meios de prova não revelados. As escutas e as buscas, matérias igualmente protegidas pela Constituição, na medida em que também invadem a dignidade humana, são do conhecimento dos juízes . As acções encobertas, não. Como garantir, então, que o agente infiltrado foi apenas isso mesmo e não um agente provocador, figura proibida na lei portuguesa? Ou seja, como garantir que o colaborador da polícia se limitou a conquistar a confiança dos traficantes para recolher informação e não provocou, ele próprio, o crime? Confiando, apenas, nas boas práticas da polícia. Uma confiança que, segundo Rui Pereira, deve existir. "A judiciária tem a sua própria hierarquia e não nos esqueçamos que é dirigida por um Procurador Geral Adjunto", lembra.
Outro dos aspectos criticáveis na lei, é o facto da polícia poder recorrer a terceiros, da sua confiança, e que actuam sob o seu controlo. Por vezes, cadastrados ou indivíduos a cumprir liberdade condicional. Gente do meio, que mais facilmente se integra nas redes de tráfico. Para além de avultadas quantias em dinheiro - embora inferiores às provenientes do tráfico de droga - ganham a confiança da polícia. "E isso, só por si, já me merece bastante reserva", diz Fátima Mata Mouros, admitindo, contudo, que, um país, pequeno como o nosso, não tem as mesmas condições de uma Alemanha, onde estes agentes são todos profissionais de polícia, com possibilidade de mudar de cidade ou até de país, sempre que exista risco da própria vida.
Por Clara Vasconcelos, in Jornal de Notícias.
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