Poder-se-á dizer que são os pioneiros da advocacia na Internet. Não ao nível de manter sites, porque estes, resolvida que está a polémica que envolveu o seu aparecimento, já há muito que fazem parte da imagem dos escritórios de advogados. O fenómeno agora é outro. Ainda está a dar os primeiros passos, muito timidamente, mas não o suficiente para travar a contestação que está a gerar na classe e os processos disciplinares já instaurados pela Ordem dos Advogados (OA).
Qual é então este novo fenómeno? A prestação de consulta jurídica por e-mail ou através de um chat. Quem quiser saber que passos terá de dar para se divorciar do seu cônjuge, obter aconselhamento jurídico sobre uma partilha de bens ou receber uma consulta sobre um despejo que quer concretizar já pode fazê-lo de casa. Basta ter um computador ligado à Internet e enviar um e-mail para o site de um dos advogados que praticam este serviço. Alguns cobram apenas 20 euros por consulta.
Os que arriscaram (em termos éticos) lançar-se nas novas tecnologias - que ainda são muito poucos - defendem o serviço e rejeitam a ideia de que estão a violar o rígido código deontológico dos advogados. Os outros - a maioria - falam em publicidade ilegal, em concorrência desleal, em desumanização da advocacia, em má qualidade da consulta (...). A classe volta a agitar-se.
"O nosso propósito não é económico, 20 euros é manifestamente pouco. Queremos apenas prestar um serviço", explicou ao DN o advogado Paulo Duarte, sócio da MSP Advogados, que há quase um ano presta consulta jurídica na Internet. Paulo Duarte é, aliás, um dos advogados contra quem está a decorrer na Ordem um processo de averiguações, por alegada publicidade ilegal.
Advocacia preventiva?
Quem presta consultas online acredita que está a fazer advocacia preventiva, que está a "prestar um serviço a uma pessoa que de outra forma não recorria a um advogado". Paula Esteves, sócia da Paula Esteves & Associados, que há seis anos dá consultas pela Net, diz: "É uma forma de ajudarmos a população. As pessoas não têm facilidade de ir a um escritório de advogados e pela Internet sentem-se mais à vontade para colocar questões". Olga Santos, advogada de Odivelas que aderiu às consultas online há quatro meses, recebendo por cada uma 20 euros, vê este serviço "como uma forma de fazer voluntariado e de garantir algum rendimento". Esta advogada admite que algumas pessoas que a contactam dão dados pessoais que mais tarde - quando se tornam clientes - vem a descobrir não serem verdadeiros.
Estes são os advogados que dão consulta jurídica online sobre os mais variados temas - divórcios, partilhas, arrendamento, questões laborais - mas há um que decidiu "especializar-se". Ricardo Candeias tem um site (divórcio.net) onde dá consultas apenas sobre divórcios por mútuo consentimento. O serviço suscitou dúvidas deontológicas à OA, que lhe instaurou um processo. "Ainda hoje não sei qual é a norma deontológica que estou aparentemente a violar", disse ao DN.
António Horta Pinto, presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra (onde corre o processo), dá a sua opinião: "Em princípio, fixar os honorários previamente viola o artigo 100.º do Estatuto", segundo o qual os honorários são fixados tendo em conta a complexidade do caso e o tempo despendido.
Que normas são violadas?
A verdade é que o fenómeno é tão recente que ninguém se entende sobre quais as normas estatutárias que estarão (supostamente) a ser violadas. A esmagadora maioria dos advogados é contra a consulta online - "O sentimento geral é negativo", disse ao DN o causídico Magalhães e Silva - , mas por razões diferentes. E na Ordem a questão não está sequer regulamentada, os pareceres são ainda escassos e só agora começam a ser suscitadas as primeiras dúvidas deontológicas.
Para o candidato a bastonário da OA João Pereira Rosa, o que está em causa é a violação do princípio que define que entre advogado e cliente deve estabelecer-se uma relação pessoal de confiança (...). Já para Eduardo Pereira de Sousa, presidente da Associação Nacional dos Jovens Advogados, os problemas deontológicos prendem-se com a fixação de "honorários à cabeça" e com publicidade proibida. Mas Magalhães e Silva diz que não se trata de um problema de publicidade, mas sim "de concorrência desleal". E mesmo Paula Esteves, que presta o serviço, acusa o seu colega da MSP - que leva 20 euros por consulta - de estar "a fazer concorrência desleal, porque toda a gente sabe que nenhum advogado cobra 20 euros por uma consulta".
Luís Filipe Carvalho, membro do Conselho Geral da OA, explica ao DN o que está em causa e deixa claro que a orientação da Ordem é a de "não admitir a consulta jurídica online", mas apenas a informação jurídica (não incide sobre casos concretos, é generalista). "Entre advogado e cliente tem de haver relação pessoal e de confiança e a consulta online pode colocar isso em causa. E este é um princípio geral da advocacia", relembra Luís Filipe Carvalho. Mais: "O estatuto obriga-nos, no artigo 85.º, a identificar o cliente", o que pode não acontecer fidedignamente na consulta online, diz. E acrescenta: "Como a consulta jurídica é um acto próprio do advogado, fica por saber se a resposta está de facto a ser dada por um advogado".
Em causa, defende, poderão estar ainda a protecção de dois deveres essenciais do advogado: o sigilo profissional e a certeza de que não há conflito de interesses. "No divórcio, o advogado pode responder, sem saber, um dia à mulher e no outro ao homem, e isso é proibido".
De forma colateral, Luís Filipe Carvalho diz que a consulta online suscita dúvidas "que se prendem com a publicidade e a angariação de clientela". O advogado diz que não "vê qualquer justificação para regulamentar esta questão, porque existem princípios definidos no estatuto", e deixa claro qual é a orientação da Ordem: "Consulta jurídica de oferta a qualquer tipo de pessoa não é permitida". Uma posição que, contudo, não é assumida de forma tão radical pelo próprio bastonário (...).
Resta saber onde acaba, na prática, a informação jurídica e começa a consulta.
(Imagem: André Carrilho)
Sem comentários:
Enviar um comentário