segunda-feira, abril 14, 2008

Denunciados 152 casos de corrupção

O número de denúncias enviadas à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre suspeitas de corrupção está a registar um ritmo de crescimento imparável desde 1 de Janeiro. Em menos de três meses e meio, a instituição liderada por Pinto Monteiro já contabilizou 152 comunicações, um número que representa mais de um terço do total de 452 denúncias registadas em 2007. E, ao que o Correio da Manhã apurou, na origem desta torrente de denúncias está o alerta lançado pelo Presidente da República, Cavaco Silva, em 5 de Outubro de 2006, contra os efeitos perversos deste fenómeno.

As comunicações registadas na PGR provêem de denúncias anónimas, actividades realizadas pelo próprio Ministério Público e investigações da Polícia Judiciária (PJ). E deram origem a processos de averiguações preventivas, destinadas a avaliar se os factos descritos nessas denúncias justificam a abertura formal de um inquérito criminal.

O anúncio da construção de importantes obras públicas no início deste ano, como o novo aeroporto de Lisboa em Alcochete, a construção da Alta Velocidade Ferroviária e a terceira ponte sobre o Tejo, é também um motivo capaz de suscitar a abertura de averiguações preventivas. Com estas iniciativas, pretende-se sempre acompanhar os processos de contratação e prevenir eventuais casos de corrupção.

Certo é que, 'em termos de número de inquéritos por corrupção entrados no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal] em 2007, houve um aumento exponencial', frisa fonte conhecedora. E precisa mesmo que '2007 é um ano de viragem na entrada de processos-crime por suspeitas de corrupção'.

Para este crescimento das investigações contra o fenómeno, contribuiu de forma decisiva, garantem as mesmas fontes, 'o discurso do Presidente da República, mas também o seminário internacional sobre corrupção na Assembleia da República, os casos da Câmara de Lisboa e da Marinha [associado à compra de equipamento militar]'.

No discurso em 5 de Outubro de 2006, Cavaco Silva foi categórico: 'Uma das principais perversões da corrupção reside na sua capacidade de alastrar como uma mancha que a todos envolve e a todos contamina'. Um ‘recado’ que foi compreendido por todos os agentes ligados à Justiça e à Economia.

NAS AUTARQUIAS

FISCAIS

O nível mais baixo da corrupção autárquica é a cometida por fiscais municipais na sua acção de inspecção, principalmente obras particulares. Tentam arranjar irregularidades, abrindo caminho a soluções fora do quadro legal.

GABINETES

O segundo nível centra-se nos gabinetes de Arquitectura, propriedade de funcionários municipais, local onde se entregam trabalhos a troco da garantia tácita de aprovação.

PDM

A violação dos Planos Directores Municipais configura o terceiro nível de corrupção. Esta situação encontra-se ligada ao facto de os construtores serem os principais financiadores de campanhas eleitorais.

CAVACO DIXIT

'A corrupção tem um potencial corrosivo para a qualidade da democracia que não pode ser menosprezado.'

'Perante a divulgação de um indício de corrupção, de compadrio ou tráfico de influências, é fácil tomar a parte pelo todo.'

'Da corrupção decorre outro efeito altamente perverso para a qualidade da democracia (...) os cidadãos deixam de possuir modelos de acção e referenciais éticos nos seus próprios comportamentos.'

DETIDAS 22 PESSOAS ATÉ DEZEMBRO

O número de detidos por corrupção nas cadeias portuguesas não ultrapassava, em meados de Dezembro de 2007, 22 pessoas, o que representava seis por cento dos cerca de 370 inquéritos deste tipo, registados pela Polícia Judiciária (PJ)nos últimos dois anos. Segundo a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), essas pessoas tinham 'outros crimes associados.' Tradicionalmente, a burla e o branqueamento de capitais são os crimes que se encontram conexos à corrupção.

A obtenção de provas continua a ser uma das principais dificuldades com que se defrontam os investigadores dos crimes de corrupção e uma das principais razões do diminuto número de condenações.

PROCURADORES PREOCUPADOS

A actual Direcção Central de Investigação de Combate à Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) da Polícia Judiciária vai ser substituída por uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção, 'com competências mais alargadas', que irá centralizar a informação e investigação a este fenómeno, como resulta da proposta de lei 143/X.

'Se o que se pretende é a centralização total numa única unidade operacional, sediada em Lisboa, das investigações respeitantes à criminalidade dita de ‘colarinho branco’[corrupção e similares e crimes cometidos por titulares de cargos políticos], teremos motivos sérios de preocupação', alerta o procurador Euclides Dâmaso,director doDIAPde Coimbra e ex-director adjunto da PJ, justificando estar em causa razões de transparência e de praticabilidade: 'A História ensinou-nos já que um certo grau de difusão no controlo destas matérias, que por vezes contendem com o exercício de outros poderes do Estado, gera maior potencial de revelação e esclarecimento e mais sólidos equilíbrios. Depois, não estou a ver a vantagem de os investigadores sediados em Lisboa [ou noutro local único que fosse] andarem a correr a caminho ora de Bragança ora de Vila Real de Santo António, em execução das múltiplas diligências que cada inquérito ou averiguação exige'. O magistrado defende ainda uma melhor 'partilha de informação'.

NOTAS

UNIDADES NACIONAIS DA PJ

Na proposta da nova Lei Orgânica da PJ as direcções centrais são substituídas por unidades nacionais especializadas.

PORTARIA DEFINE ACÇÕES

As acções e as competências territoriais das unidades nacionais serão definidas por portaria governamental.

UM CÓDIGO QUE NÃO ACOMPANHOU A REALIDADE

O crime de corrupção, ao pressupor um resultado imediato da conduta criminosa, não acompanhou o evoluir da sociedade.

A NOVA FIGURA DOS ASSESSORES CAMARÁRIOS

A colocação de militantes nas autarquias através da figura dos assessores tem multiplicado os riscos de corrupção.

FALTA DE VONTADE POLÍTICA PARA MUDAR PROCEDIMENTOS

Os investigadores queixam-se da falta de vontade política para actualizar os meios de combate à corrupção.

RECOMENDAÇÕES DA IGAT FORAM IGNORADAS

Em 2005, a Inspecção-Geral da Administração do Território fez um conjunto de recomendações que nunca foram aplicadas.

Por António Sérgio Azenha / Ana Luísa Nascimento, in Correio da Manhã.

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