sexta-feira, agosto 15, 2008

Juízes lançam alerta a Cavaco

"Na época presente, muitos juizes estão plenamente convencidos de que um numeroso núcleo de políticos profissionais pretende levar a cabo uma formidável concentração de poderes soberanos do Estado, condicionando estreitamente o poder judicial, com vista à obtenção de um poder político absoluto, incontrolável". Esta é apenas uma frase de um extenso documento enviado por um grupo de juízes a Cavaco Silva, no qual são feitas várias críticas à produção legislativa do actual Governo.

Intitulado Graves Ingerências do Poder Político na Esfera do Poder Judicial , o documento é assinado pelo juiz-conselheiro jubilado Pires Salpico e faz um retrato dramático do estado da Justiça em Portugal. Responsabilizando a classe política. As reformas penais são, segundo os juízes, um exemplo: os "buracos" na lei processual penal "que lá foram deixados pelos legisladores", levam a que a Justiça seja "facilmente entorpecida", podendo os processos "ser arrastados durante anos e anos, sem que as leis permitam aos juízes obstar a essas situações de paralisia processual."

Para já não falar da nova lei do Centro de Estudos Judiciários, onde foi introduzida a figura do exame psicológico aos candidatos com carácter eliminatório. "O psicólogo que procede ao exame é nomeado pelo ministro da Justiça que, como é evidente, lhe dará todas as instruções que entender". Conclusão: isto significa que "no futuro, os agentes políticos poderão escolher os futuros juízes, situação sem paralelo na nossa história"

Tudo somado, verifica-se que "nos últimos anos", as relações entre o poder político e o poder judicial "caracterizou-se por um evidente cerco e por um nítido afrontamento dos políticos profissionais aos juizes e aos tribunais judiciais".

Em declarações ao Expresso, Nuno Salpico, juiz que integra a Comissão Independente, declarou que o afrontamento ao poder judicial vem desde "há uma década". "E acentuou-se com este Governo", acrescentou. Questionado sobre os motivos que estão por trás das alterações legislativas da iniciativa do actual Governo, o juiz é categórico: "Há uma intenção clara de controlar os juízes. Em democracia não pode haver um esquema de controlo da independência dos juízes. Mas estes estão criados".

Ao Expresso, Rui Rangei, presidente da Associação de Juizes pela Cidadania (AJPC), afirmou não ter conhecimento do documento. Confrontado com o seu teor, o juiz disse que também a AJPC vem alertando há muito para a estratégia do Governo: "Se analisarmos todo o processo legislativo desde que o Executivo tomou posse, nota-se que há uma linha clara no sentido de deixar os juízes mal-vistos junto da sociedade e de descredibilizá-los".


Para o desembargador, a origem de tal motivação está no processo da Casa Pia, que levou a uma relação traumática entre o PS e o sistema judicial. "Há uma política de marketing muito bem feita", disse Rangel, referindo-se ao facto de, muitas vezes, os cidadãos ficarem descontentes com as penas aplicadas nos crimes com maior repercussão mediática. "Mas não são os juízes que fazem as leis", concluiu.Contactada pelo Expresso, a Presidência da República não adiantou qualquer informação relativa ao documento. Fonte do Palácio de Belém afirmou que não é política confirmar ou desconfirmar a correspondência recebida.

Por CARLOS RODRIGUES LIMA, in EXPRESSO

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