"O domicílio próprio ou alheio não pode servir de ‘santuário’ para alguém cometer crimes ou escapar à punição”.
Por Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Por Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
(in Sentir o Direito - Correio da Manhã)
As buscas numa habitação necessitam de autorização judicial. Ressalva-se os casos de terrorismo e criminalidade violenta ou altamente organizada em que, dada a urgência da actuação policial, basta a validação posterior por juiz. E, por razões óbvias, dispensa-se mesmo a intervenção de juiz nas situações de flagrante delito e de consentimento do visado.
As buscas domiciliárias nocturnas foram absolutamente proibidas pela Constituição entre 1976 e 2001. Neste último ano, uma revisão constitucional veio admitir, a título excepcional, as buscas nocturnas nas situações de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, flagrante delito punível com pena de prisão superior a três anos e consentimento do visado.
Só em 2007 a revisão constitucional se reflectiu na legislação processual penal. Com efeito, foi a mais recente reforma do Código de Processo Penal que veio consagrar, em termos idênticos aos constitucionais, as buscas domiciliárias nocturnas, dispensando também a intervenção de juiz nos casos de flagrante delito punível com pena de prisão superior a três anos e de consentimento do visado.
Há dois valores a preservar na solução constitucional e legal: por um lado, as autoridades públicas devem poder intervir para evitar o cometimento de crimes, sobretudo os mais graves, incluindo a detenção ilegal de armas e a violência doméstica; por outro lado, é necessário salvaguardar, fora dessas situações, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
Assim, o domicílio próprio ou alheio não pode servir de ‘santuário’ para alguém cometer crimes ou escapar à punição. Porém, a protecção do domicílio – não o esqueçamos – constitui uma chave-mestra das democracias modernas, mesmo que a pessoa visada habite uma tenda ou uma caravana, como o Tribunal Constitucional esclareceu em acórdão de 1989. Ao contrário do que por vezes se faz crer, a protecção intensa de direitos não implica, na nossa Ordem Jurídica, a tolerância com os ilícitos criminais. Como em tudo, a virtude está no equilíbrio entre todos os interesses e valores em jogo. Por exemplo, a mera recolha de provas para ulterior realização de Justiça pelos tribunais obedece a critérios de proporcionalidade mais exigentes do que a defesa contra um crime que está a ser executado.
A possibilidade de devassar um domicílio privado a partir de qualquer suspeita da prática de crime e sem controlo judicial possibilitaria abusos. Mas as alternativas a um tal sistema exigem que haja estreita cooperação institucional entre as autoridades judiciais e as polícias, a todas as horas do dia ou da noite – para que se realize, em simultâneo, todos os direitos dos cidadãos e a segurança colectiva.
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