Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa considera que a PJ pode aceder às mensagens guardadas no telemóvel depois de lidas, sem autorização prévia do juiz. Mas constitucionalistas e juristas consideram que medida pode ser inconstitucional. Em causa está a violação de privacidade
Ao contrário do que os desembargadores de Lisboa defendem num acórdão recente, a Polícia Judiciária (PJ) continua obrigada a apresentar uma autorização do juiz para aceder às mensagens escritas recebidas pelo telemóvel. Quem o garante são constitucionalistas e juristas contactados pelo DN, para quem a interpretação feita no acórdão é inconstitucional.
No acórdão, ontem divulgado, os desembargadores José Simões de Carvalho, Margarida Bacelar e Calheiros da Gama, da Relação de Lisboa, entendem que "a apreensão da [mensagem escrita] já recebida e aberta não terá mais protecção que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário".
Em causa parece estar o tipo de interpretação que se faz do artigo do Código de Processo Penal que regula a apreensão de correspondência (179º). O artigo determina que, "sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão, mesmo nas estações de correios e de telecomunicações, de cartas encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência". Ricardo Rogrigues, deputado do PS na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, diz que esta medida foi actualizada na reforma do CPP para prever as novas formas de comunicação, como os SMS.
O constitucionalista Bacelar Gouveia considera que, no caso de SMS (mensagens escritas recebidas no telemóvel), "se mantém a confidencialidade da mensagem, que está protegida pelo sigilo da correspondência". Logo, a apreensão só pode ser feita quando "ordenada por um juíz", acrescenta. Quanto ao acórdão, o especialista diz: "não me parece a medida mais correcta e pode ser perigosíssima".
Também Ricardo Rodrigues entende que a apreensão pela PJ de SMS "carece de autorização do juiz". Depois, diz, a decisão da Relação "é uma inovação e pode ser considerada inconstitucional, porque viola a privacidade", defende o advogado.
Apreender mensagens já lidas e guardadas pelo destinatário é "uma intercepção telefónica e, desse ponto de vista, continuam a ser mensagens telefónicas, cuja apreensão só o juiz pode autorizar", considera Ricardo Rodrigues.
Opinião diferente tem António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugues , para quem "a partir do momento em que o destinatário decida guardar a mensagem esta deixa de estar protegida e pode ser alvo de uma apreensão, mas sempre autorizada pelo juiz".
Já o presidente da Associação Sindical de Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC), Carlos Anjos, considera que "a partir do momento em que a mensagem está aberta não existe violação da privacidade".
"Desde que haja um mandado de busca do juiz, a PJ pode aceder à correspondência que esteja aberta", remata Carlos Anjos.
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