sábado, maio 10, 2008

O DEVER DE RESERVA DOS JUÍZES

Por António Martins
Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses


"Após a divulgação da deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) sobre o dever de reserva, a imprensa publicou editoriais, artigos e opiniões acusando o CSM de impor a "lei da rolha" e de querer "silenciar" os juízes.

Não me cabe justificar a deliberação do CSM, nem quero, até porque não tenho mandato para o efeito.

Reafirmo, porém, a posição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) nesta matéria que, na sua essência, é de concordância com tal deliberação e é essa, também, a perspectiva da generalidade dos juízes portugueses.

Além disso, gostava de salientar duas coisas simples.

O dever de reserva não foi estabelecido agora. Está consagrado no art.º 12.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais desde 1985 e aquela deliberação apenas foi interpretativa da lei.

Acresce que tal dever não é uma inovação portuguesa. Com designação equivalente e consagração ou não em lei, existe restrição semelhante na generalidade dos países europeus.

Dito isto, deve ainda destacar-se o facto - curiosamente também esquecido - de que o direito à informação é acautelado na própria deliberação ao referir-se nela que, salvaguardados os segredos de justiça, profissional e de Estado, além da reserva da vida privada, "os juízes podem dar todas as informações sobre as decisões e seus fundamentos".

Aliás, já há algum tempo a esta parte a ASJP vem divulgando no seu site (www.asjp.pt) as decisões dos tribunais que têm suscitado interesse público. Precisamente por considerar que as decisões dos tribunais devem ser conhecidas dos cidadãos, em termos integrais, para que o escrutínio público seja possível e possa ser exercido adequadamente. É uma boa via de fazer a ligação directa dos cidadãos à justiça e assegurar assim a legitimação do poder judicial, como as reacções que nos têm chegado dos cidadãos que a elas têm acedido o demonstram.

Creio assim que esta deliberação pode ter a vantagem de permitir um melhor exercício do direito à informação.

Desde logo porque o CSM adquire especiais responsabilidades.

Não pode mais continuar a eximir-se às suas obrigações, consagradas na sua actual lei orgânica, de ter uma estrutura adequada (chame-se gabinete de comunicação ou não), que faça a ligação dos tribunais com a comunicação social e os cidadãos e que dê efectivo conteúdo ao dever de informar e ao direito à informação.

Depois porque, atento o fundamento do dever de reserva e os valores protegidos pelo mesmo, assim considerados pelo próprio CSM, ou seja, a protecção da imparcialidade e da independência dos juízes, a confiança dos cidadãos na justiça, o prestígio e a dignidade institucional dos tribunais, a não implementação dessa estrutura é uma admissão da incapacidade do CSM em preservar tais valores, o que não é aceitável.

Finalmente porque, nada fazendo, o CSM acaba por dar desculpas a que a comunicação social contacte tudo e todos, não só os juízes titulares dos processos, como os juízes que estejam disponíveis para "comentar" ou "opinar"."

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