Sistema depende da denúncia por escrito e anónima
A repressão dos crimes de corrupção tem baixa eficácia, dada a elevada taxa de processos arquivados, dois em cada três, ou seja, 64,6%. O combate a este fenómeno depende das denúncias por escrito, geralmente anónimas. Os denunciantes têm medo de represálias, mas o receio de passar por "bufo" é um elemento cultural que inibe a denúncia e que não pode ser ignorado pelas autoridades.
Estas são algumas das conclusões de uma pesquisa sobre o fenómeno da Corrupção Participada, com base em dados de 2002 e 2003. O trabalho resulta de uma parceria entre o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e o Observatório de Ética na Vida Pública, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).
O estudo foi ontem apresentado em Lisboa num debate onde participou o ministro da Justiça, Alberto Costa. Na ocasião, este governante anunciou que metade dos 150 novos inspectores da Polícia Judiciária (integrados no próximo ano) vão trabalhar na área da corrupção e da criminalidade económica. Segundo Alberto Costa, o número de investigações de corrupção passou de 430, em 2005, para 480, em 2007.
No que se refere ao estudo, a equipa de investigadores tinha por objectivo compreender as características do fenómeno da corrupção que a justiça detecta. Os dados foram fornecidos pelo Ministério Público.
Segundo explicou ao DN o politólogo Luís de Sousa, "os casos que o sistema conseguiu sancionar são de baixo porte", com vantagens pecuniárias pouco significativas, o que na opinião do investigador não permite identificar "o que é sistémico". Esta pequena "corruptela" diz sobretudo respeito ao poder autárquico e a negócios envolvendo alterações a planos directores municipais, bem como a casos envolvendo polícias.
O estudo da equipa do ISCTE baseou-se em 449 processos, não tendo sido contemplados dados, por exemplo, das Finanças ou do Tribunal de Contas. Nos crimes de corrupção (60% do universo estudado), apenas 18% dos processos passaram à fase de acusação (17,3% continuavam em investigação). Um valor bem inferior a dos crimes de peculato, metade dos quais passaram à fase de acusação.
Os investigadores concluem que "quanto maior é a complexidade do crime, maior a probabilidade de ser arquivado". Outro indicador tem a ver com a denúncia, que em 82,2% dos casos é feita por escrito. Segundo apuraram os autores, o sistema "incentiva" esta forma, geralmente anónima. A quase totalidade (98%) dos processos onde não havia provas documentais ou gravações, baseando-se apenas em testemunhos, acabaram arquivados.
A razão mais invocada para a denúncia é o "cumprimento do dever profissional". Seguem-se a "revolta" e o "cumprimento do dever de cidadania". Muitos denunciantes declararam ter medo de retaliações ou de passarem por "bufos". Em certos casos, consideravam que a denúncia seria inconsequente.
Como salientou Luís Santos, o sistema detecta pequenos montantes, mas dois terços dos casos não têm apuramento de verbas. Além disso, 50% das situações tiveram origem em câmaras municipais e juntas de freguesia. A área de actividade dos corruptores era, em 29,8%, da construção civil. Do futebol, vieram 4%.
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