Todos os anos os tribunais tributários recebem mais de 10 mil processos. Mas o número de processos que ficam parados não pára de aumentar desde 2004.
No final de 2007 estavam pendentes nos tribunais tributários 38.517 processos. Número que está a aumentar, desde 2004, a uma média de 1.000 processos por ano. O Presidente do Supremo Tribunal Administrativo faz um diagnóstico reservado, mas propõem algumas soluções.
Os processos arrastam-se nos tribunais. É um problema de meios?
Não há só uma causa determinante do excesso de pendência nos tribunais tributários. É verdade que há falta de meios, pois não há juízes bastantes para enfrentar a enorme afluência aos tribunais. Por outro lado, há todo um processo, a montante dos tribunais, onde podem e devem ser criados mecanismos de credibilização, que evitem o recurso sistemático à via judicial. Trata-se do processo gracioso que decorre no seio da administração fiscal e que importa credibilizar, através de um corpo de juristas qualificado e em número suficiente, para dar confiança ao contribuinte, para que este sinta que vale a pena reclamar e impugnar no âmbito da Administração. Se, por sistema, o contribuinte vê as suas pretensões recusadas pela administração fiscal, então lança mão, e desde logo, dos mecanismos contenciosos, avolumando assim a grave pendência processual nos tribunais.
Tem uma ideia do montante parado nos tribunais tributários?
Em Janeiro de 2007, o montante em discussão, em 30 mil dos muitos mais processos pendentes, rondava os 13 mil milhões de euros, o que é deveras um número assustador.
A Administração Fiscal perde 90% dos processos em tribunal. Porquê?
Desconheço a exacta percentagem em que a administração fiscal é vencida nos tribunais tributários, já que os tribunais administrativos e fiscais não dispõem (e infelizmente, pois tratar-se-ia de um poderoso instrumento de administração interna) de meios técnicos e humanos suficientes para um tratamento detalhado de dados estatísticos desta natureza. No entanto, a percentagem de decisões desfavoráveis à administração é manifestamente elevada.
E é verdade que muitas vezes perde por questões de forma. Por exemplo, falha dos prazos?
É verdade. E isso fica a dever-se, principalmente, ao deficiente tratamento jurídico das questões, designadamente à falta de rigor na análise das situações constantes dos diversos procedimentos administrativos, que, a existir, evitaria o acesso em massa aos tribunais, assim como a conexas deficiências instrutórias, muito em particular na fundamentação das decisões da administração. Esta insuficiência constitui um sério entrave à realização do ónus da prova quanto à legalidade da actuação da administração, em caso de impugnação contenciosa dos seus actos.
Os juízes dos tribunais tributários são acusados de falta de preparação económica e financeira. Será um entrave à capacidade de decisão?
A fraude e evasão fiscais são fenómenos de contornos cada vez mais complexos, exigindo, por conseguinte, uma crescente especialização de todos os agentes envolvidos no seu combate. O juiz tributário não constitui excepção: também aqui a estratégia a seguir é a de uma maior especialização, por forma a garantir uma justiça fiscal tecnicamente sólida, bem preparada e célere. Daí a urgência da aposta na formação permanente, entre nós ainda tão negligenciada. Nos dias que correm, as mudanças são muitas, aceleradas e profundas, e a formação inicial já não basta. São necessárias mais acções de formação específica, adequadas às novas exigências e à evolução das carreiras, bem assim como a nomeação de assessores tecnicamente qualificados para os juízes, designadamente na área tributária.
A justiça tributária é apontada como o principal problema na área tributária.
A justiça tributária realiza-se sempre que o sistema fiscal adoptado não dá azo a uma sensação generalizada da sua injustiça relativa; sempre que a administração prossegue o interesse público no respeito pelo ordenamento jurídico vigente; e sempre que o cidadão cumpre o seu dever fundamental de pagar impostos. Portanto, os problemas da justiça tributária começam muito antes de chegarem aos tribunais, tal como os milhentos processos que neles entram diariamente o evidenciam. Aos tribunais, designadamente aos tribunais tributários, cumpre intervir apenas para repor justiça, onde esta já tenha sido violada, ou declará-la, onde haja dúvidas fundadas sobre o seu conteúdo. E se neles essa reposição é feita, hoje, muito para além do prazo razoável, tal deve-se, em larga medida, à banalização do acesso aos tribunais.
O concurso de acesso aos tribunais tributários, que está a decorrer, será suficiente para travar o elevado número de processos?
Este concurso vem, por certo, atenuar o grave problema das pendências nos tribunais tributários, para o qual tenho vindo, de resto, a alertar as entidades competentes. Mas seria irresponsável pensar-se que ele vai, como num passe de mágica, resolver todos os problemas que os tribunais tributários enfrentam. Para que a justiça tributária recupere da situação gravosa presente, o concurso não pode ser lançado sozinho: ele tem de ser acompanhado, logo à partida, de um conjunto de outras medidas. Entre elas destacaria quatro, que me parecem da maior importância quer para a prevenção, quer para a mais célere resolução de litígios de natureza contenciosa, em sentido estrito: 1) a credibilização do processo de reclamação/impugnação no seio da própria administração fiscal, para evitar o recurso automático à via judicial que hoje se verifica; 2) a criação, junto dos tribunais tributários, de centros de arbitragem permanente/comissões de conciliação, presididos por um juiz jubilado (para evitar a sobrecarga de juízes no activo), com vista à resolução de toda a matéria atinente à determinação do imposto que não seja estrita e constitucionalmente vinculada; 3) a instalação dos já previstos tribunais de liquidação de pendências, e sua dotação de assessores qualificados, em número suficiente, para coadjuvarem, de facto, os respectivos juízes (assessores que, aliás, e por determinação legal, devem ser colocados em todos os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal); e, por fim, 4) medidas legislativas no sentido de, no decurso do processo, por iniciativa do juiz ou a pedido das partes, poder haver lugar a tentativa de conciliação, novamente apenas em matéria que não seja estrita e constitucionalmente vinculada.
Já levou essas propostas, é ao Ministro da Justiça?
Já não é a primeira vez que falo sobre estas questões ao Senhor Ministro da Justiça e, também, ao Senhor Ministro das Finanças, mostrando-se, um e outro, muito sensíveis para a solução do problema.
E obteve respostas?
Têm acolhido de bom grado as nossas propostas, e prometem estudar o assunto, o que já é muito bom. Devo esclarecer, em abono da verdade, que algumas dessas medidas já estão em curso, como por exemplo o recrutamento de mais 30 juízes e a criação de tribunais de liquidação de pendências que deveriam ser sedeados um em Lisboa e outro no Porto (com as áreas de jurisdição correspondentes às dos Tribunais Centrais Administrativos, Sul e Norte), e não, como foi estabelecido, em Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria, Sintra e Viseu.
Defende uma centralização para os tribunais desta competência?
Aceito a concentração de meios, criando-se assim menos e melhores tribunais. O cidadão prefere ter um tribunal mais distante, mas que lhe assegure uma justiça em tempo útil, a ter um “ao pé da porta” que não lhe dá essa garantia. E esta perspectiva tanto vale para os tribunais administrativos e fiscais como para os tribunais judiciais.
Reconheço, no entanto, que esta medida exige coragem política, porque implica encerrar tribunais aqui e ali.
Prioridade aos processos perto da prescrição
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais recomendou a todos os tribunais competentes que dessem prioridade à resolução dos processos com dividas prestes a atingir os prazos de prescrição. O presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Santos Serra, defende que “o que está em causa é o interesse público; há um dever fundamental de pagar impostos. Se os tribunais não acodem prioritariamente a processos que estão em vias de extinção, por prescrição das dividas em causa, é a negação da justiça”. Santos Serra, que também preside ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, justifica esta actuação do Conselho: “O credor recorre a tribunal e, se os tribunais não decidem a tempo e horas, vão prescrevendo as dívidas”, situação a que este órgão “esteve atento”, explica. Mas este problema pode ser visto na perspectiva do devedor, sublinha o presidente, que “também é prejudicado pela morosidade dos tribunais, mantendo-se a penhora dos bens ou a garantia prestada por tempo indeterminado.” Uma coisa é certa, conclui Santos Serra, “a morosidade dos tribunais não pode beneficiar ou prejudicar qualquer das partes, administração fiscal ou contribuinte.”
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