Por Fernanda Palma
Professora catedrática de Direito Penal
"Um acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça concluiu que um homem que pagou a outros para que matassem a sua mulher responde por tentativa de homicídio. A decisão só merece destaque porque os executores do crime aceitaram a ‘encomenda’, mas desistiram sem nada fazerem.
Justifica-se a punição deste marido? Tem-se entendido que a responsabilidade penal só nasce no momento em que o agente acciona os meios, iniciando a execução do crime. Havendo instigação, como houve, a tentativa apenas começará com a actuação dos autores materiais.
Os penalistas falam em ‘iter criminis’ (percurso criminoso), para explicar que entre a decisão e a consumação do crime há momentos não puníveis. A mera decisão não é punível e a própria preparação (por exemplo, a compra de um fármaco para mais tarde envenenar alguém), em regra, também não o é.
Tal perspectiva pretende evitar que o Direito Penal intervenha de forma prematura e excessiva, perseguindo pessoas que nada fizeram de objectivamente lesivo ou perigoso. Porém, certos actos preparatórios são punidos, a título excepcional, em nome da sua perigosidade. Assim sucede, designadamente, no domínio do terrorismo.
Segundo a doutrina tradicional, não haverá, no caso descrito, mais do que uma tentativa de instigação não punível. No entanto, há que reconhecer que, quando se ajusta um homicídio, se põe logo em risco a vida da vítima, tendo em conta a profissionalização do agente contratado.
A probabilidade de o instigado executar o crime é, de acordo com o senso comum, considerável, embora não se possa dizer que a execução comece quando se celebra o ‘contrato’. A perigosidade da conduta do instigador justifica a intervenção penal, mas é muito duvidoso que a Lei permita, hoje, que se puna esse acto sem recurso à analogia, que é proibida em Direito Penal.
Como já aqui sustentei, uma solução razoável seria criar um crime específico, à imagem do que sucede nos sistemas anglo-saxónicos, que tipificasse os acordos orientados para a prática de certos crimes graves como o homicídio. Trata-se da chamada ‘conspiracy’, isto é, a ‘conspiração’ entre duas ou mais pessoas, tendo em vista a prática de crime.
Todavia, essa incriminação antecipada (que não se confunde com os crimes de organização criminosa ou terrorista) não deve retirar aos agentes a oferta de regresso à legalidade, em caso de desistência, eximindo-os de responsabilidade. É esse o melhor caminho para proteger as vítimas.
Mas ao instigador não deverá bastar a simples desistência passiva. Exige-se-lhe, para voltar à legalidade, que inverta o rumo da história que iniciou e que faça tudo para salvar a sua vítima. De preferência, tal como na história de Paulo de Tarso, a partir do que sentiu na Estrada de Damasco."
Justifica-se a punição deste marido? Tem-se entendido que a responsabilidade penal só nasce no momento em que o agente acciona os meios, iniciando a execução do crime. Havendo instigação, como houve, a tentativa apenas começará com a actuação dos autores materiais.
Os penalistas falam em ‘iter criminis’ (percurso criminoso), para explicar que entre a decisão e a consumação do crime há momentos não puníveis. A mera decisão não é punível e a própria preparação (por exemplo, a compra de um fármaco para mais tarde envenenar alguém), em regra, também não o é.
Tal perspectiva pretende evitar que o Direito Penal intervenha de forma prematura e excessiva, perseguindo pessoas que nada fizeram de objectivamente lesivo ou perigoso. Porém, certos actos preparatórios são punidos, a título excepcional, em nome da sua perigosidade. Assim sucede, designadamente, no domínio do terrorismo.
Segundo a doutrina tradicional, não haverá, no caso descrito, mais do que uma tentativa de instigação não punível. No entanto, há que reconhecer que, quando se ajusta um homicídio, se põe logo em risco a vida da vítima, tendo em conta a profissionalização do agente contratado.
A probabilidade de o instigado executar o crime é, de acordo com o senso comum, considerável, embora não se possa dizer que a execução comece quando se celebra o ‘contrato’. A perigosidade da conduta do instigador justifica a intervenção penal, mas é muito duvidoso que a Lei permita, hoje, que se puna esse acto sem recurso à analogia, que é proibida em Direito Penal.
Como já aqui sustentei, uma solução razoável seria criar um crime específico, à imagem do que sucede nos sistemas anglo-saxónicos, que tipificasse os acordos orientados para a prática de certos crimes graves como o homicídio. Trata-se da chamada ‘conspiracy’, isto é, a ‘conspiração’ entre duas ou mais pessoas, tendo em vista a prática de crime.
Todavia, essa incriminação antecipada (que não se confunde com os crimes de organização criminosa ou terrorista) não deve retirar aos agentes a oferta de regresso à legalidade, em caso de desistência, eximindo-os de responsabilidade. É esse o melhor caminho para proteger as vítimas.
Mas ao instigador não deverá bastar a simples desistência passiva. Exige-se-lhe, para voltar à legalidade, que inverta o rumo da história que iniciou e que faça tudo para salvar a sua vítima. De preferência, tal como na história de Paulo de Tarso, a partir do que sentiu na Estrada de Damasco."
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