quarta-feira, novembro 26, 2008

Pobre ética

Por Rui Rangel, Juiz desembargador
in
O Estado das Coisas (Correio da Manhã)

“O congresso dos juízes não tem legitimidade democrática para aprovar o ‘Compromisso de Ética’”


"O ‘Compromisso Ético’ que a Associação Sindical dos Juízes fez aprovar no recente congresso é inepto e insano. Não tem qualquer validade jurídico-constitucional ou força para vincular os juízes associados e, por maioria de razão, muito menos os não associados. A ASJP produziu um documento para o museu legislativo dos seus arquivos. É um enunciado de princípios gerais, de vacuidades e pretensioso nos seus propósitos. Nem como instrumento de auto-regulação pode valer, porque os juízes, constitucionalmente, não se podem auto-regular em matérias que têm que ver com a forma como exercem a profissão.

O ‘Compromisso Ético’ dos juízes, no exercício da judicatura, está plasmado na Constituição, na Lei e nos seus Estatutos. Estes instrumentos de regulação são a matriz legitimadora do exercício ético e moral da profissão. Os valores e a essência da ética não se reforçam por cartilha, antes existem ou não em cada um de nós. O juiz, comprometido eticamente com a missão que lhe foi conferida pelo cidadão de administrar a Justiça em nome do povo, não precisa desta utopia, apenas da sua consciência ética e esta não lhe é conferida por qualquer dirigente associativo, muito menos por quem se esquece de que ser ético é também aceitar a pluralidade de opiniões e o livre associativismo. Ser ético é respeitar as pessoas e os colegas de profissão que não pensam como nós. Bem andou a pregar frei Tomás. A ética dos juízes é o seu valor pessoal, dispondo de um arsenal valioso com base na concepção piramidal sustentada pela Constituição. E se isto tudo não bastasse, este compromisso está ferido de legitimidade. O congresso dos juízes não tem legitimidade democrática para aprovar este compromisso, que não foi sujeito a um amplo debate entre os juízes, não bastando uma simples assembleia, com fraca representatividade, para fazê-lo. Era matéria que, a ter alguma utilidade, precisava de ser ‘referendada’ por todos os juízes, o que não aconteceu. Estas são regras da Democracia que deviam ter sido respeitadas pelos mentores desta inútil falácia. E o que dizer da ofensa que lhe está subjacente, feita a muitos juízes associados que agora ficaram a saber que não têm ética porque pertenceram ou pertencem à Maçonaria ou ao Opus Dei ou porque exerceram ou exercem funções em comissões de confiança política?

O disparate também tem limites éticos.

A ética da convicção não pode dar lugar à ética da conveniência."

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