quarta-feira, novembro 19, 2008

“Os tribunais melhoraram muito na justiça penal”

Entrevista à Dra. Maria de Jesus Serra Lopes

Exerce advocacia há 50 anos. Foi bastonária dos Advogados entre 1990 e 1992 mas já em 1961 tinha fundado com o marido, António Serra Lopes, o escritório onde trabalham.

Há quantos anos exerce advocacia?
No ano passado completei 50 anos de formatura. No próximo ano suponho que me irão dar uma coisa que criámos quando estive na Ordem: uma medalha de mérito para os advogados que tivessem 50 ou mais anos de exercício ininterrupto e irrepreensível de profissão.

E nestes 50 anos, acha que os tribunais estão piores, ou melhores?
Há um campo onde lhe posso dizer que estão francamente melhores, que é na justiça penal.

Em que aspectos?
As últimas alterações penais vieram continuar o esforço para que o arguido passasse a ter muito mais direitos. Para o cidadão comum a justiça penal é o rosto da justiça.

E quais os aspectos negativos?
Tem sido salientado o facto de que a prisão preventiva só é possível ser requerida pelo procurador do Ministério Público.

Não concorda?
Teoricamente, admito que haja casos em que o Ministério Público não tenha visto bem...

E por isso a decisão final deveria caber ao Juiz?
O juiz não deveria, pelo menos, estar proibido de o requerer. Eu percebo que as proibições são para impedir excessos, mas impedem também quando é necessário.

Em relação à Ordem. É uma institucionalista? Respeita a instituição?
Não sei se sou, mas eu amo a Ordem dos Advogados, e ponho-a no plano afectivo. Acho que a Ordem dos Advogados é uma instituição extremamente importante.

Como é que a vê hoje?
Vejo-a sempre como o que até aqui tem sido: uma grande força dentro do país. Não a vejo como contra-poder. Francamente não entro nessas lutas. Mas a Ordem tem de ser uma opinião, uma vontade que conta. Isso obriga a ter uma conduta deontologicamente e eticamente irrepreensíveis. A Ordem dos Advogados é mais importante do que eu, é mais importante dos que todos os advogados.

Mais importante do que todos os protagonistas?
Muito mais importante do que os seus protagonistas.

E a Ordem continua a desempenhar essa função?
Sim, e tem de continuar, isso vai para lá dos bastonários.

Em relação a este bastonário. Não votou nele.
Não votei. Era apoiante de um amigo de sempre, Magalhães e Silva.

Em relação à Justiça, sente que os seus intervenientes têm a vida mais facilitada ou dificultada?
A massificação dificulta sempre e conduz à proletarização, e a muitas dificuldades.

Na campanha falou-se muito dos “descamisados”...
Sempre achei que se devia por um cobro a esta proliferação das faculdades de Direito, porque o Estado é responsável pelas pessoas que deixa formar em direito.

Acha que há muitos casos de má defesa?
Acho que não podem existir más defesas e os advogados têm de estar preparados para a missão que desempenham. Quando vão consultar um advogado colocam na mão do advogado o que têm de mais precioso: ou é a defesa da vossa honra, ou do vosso nome, ou da vossa liberdade, ou dos vossos bens, ou dos vossos direitos. Se a prestação for mal feita não pode ser emendada.

“A classe aceitou-me perfeitamente”
Foi a primeira mulher a liderar a Ordem dos Advogados, mas nem por isso Maria de Jesus Serra Lopes considera ter estado à frente do seu tempo - “alguém tinha de dar o primeiro passo”, afirma. A advogada tomou posse como bastonária em 1989, passando a representar uma classe maioritariamente masculina. Mas nunca se deixou intimidar e garante que nunca sentiu qualquer razão para “que não houvesse uma mulher à frente da Ordem”. E continua: “Acho que a competência vem da pessoa e não do sexo”. Depois de ter apresentado a sua candidatura e durante o exercício do cargo, Serra Lopes diz não ter sentido qualquer problema, assegurando que “a classe” a aceitou “perfeitamente”. Quanto ao resultado eleitoral, foram curiosamente “os mais novos e os mais velhos” que lhe deram mais votos, e não a sua faixa etária. Quando se candidatou a advogada tinha 56 anos. Hoje com 75, Serra Lopes assume nunca ter feito tabu da sua idade: “Achei que não me podia candidatar se não estivesse apta a imediatamente fazer o discloser desse dado”. Desde que deixou o largo de São Domingos, na baixa de Lisboa, a advogada diz que “mudou muita coisa”.


Contra a “proliferação de faculdades de direito”
Serra Lopes diz que o maior problema da classe se mantém: “De ano para ano têm vindo a proliferar as faculdades de direito privadas”. A advogada lamenta o excesso de cursos de direito, mas compreende porque é que tal acontece, “basta ter papel e lápis para os alunos e não precisa de ter mais nada”. Quanto aos professores, “desdobram-se, arranjam assistentes, aceitam praticamente qualquer pessoa a dar aulas”. Quando foi bastonária, Serra Lopes quis combater este problema, tentando impedir “que fossem criadas faculdades de direito sem o Estado ter padrões de competência e aferi-los”. Mas a única forma de agir foi alterando o estágio de acesso à profissão. A mudança não foi bem recebida: “Tive uma contestação muito grande, porque a Ordem é a única entidade que pode dar o titulo de advogado”. Serra Lopes não conseguiu impedir o aparecimento de cursos, mas sim alargar o período de estágio, e torná-lo mais exigente. “Quando a Ordem inscreve um advogado nos seus quadros diz: esta pessoa tem de estar apta a defender as pessoas deste país. É uma grande responsabilidade”.

Por Francisco Teixeira e Susana Represas, in
Diário Económico.

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