Por Prof. Dr. Paulo Pinto de Albuquerque
"O Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade de uma norma fundamental do novo Código de Execução das Penas. A dita norma permite a colocação do recluso em regime aberto no exterior, isto é, em liberdade não vigiada, mediante simples decisão do director-geral dos Serviços Prisionais. O Presidente da República teve dúvidas quanto à constitucionalidade da dita norma, em face dos princípios da reserva de jurisdição e do imperativo do respeito pelo caso julgado por parte dos órgãos da Administração. E com razão.
A norma em causa reproduz o sistema legal em vigor. Na prática, o director-geral dos serviços prisionais tem hoje e continuará a ter, se a norma sindicada vier a vigorar, a palavra decisiva sobre o quantum do período de reclusão que o condenado cumpre. Dito de outro modo, é o Governo, por intermédio do director-geral dos Serviços Prisionais, que determina que parte da pena de prisão aplicada pelos tribunais o condenado irá efectivamente cumprir em reclusão.
Esta norma é inconstitucional. Com efeito, a colocação do recluso em regime aberto no exterior representa uma intromissão séria do poder executivo no âmbito do poder judicial, que pode em termos práticos esvaziar de sentido a própria sentença condenatória transitada em julgado. É certo que a aplicação do regime aberto virado para o exterior depende do cumprimento de um quarto da pena, do gozo prévio de uma licença de saída jurisdicional com êxito e de que não se verifique pendência de processo que implique a prisão preventiva. Ou seja, a concessão deste regime depende de uma prévia decisão judicial de saída não custodiada do recluso por cinco dias. Mas a natureza da saída jurisdicional é muito diversa da natureza do regime aberto virado para o exterior. Se a primeira saída pre- cária depende de autorização judicial, por maioria de razão, a concessão do regime aberto virado para o exterior deve depender também dessa autorização. Neste caso, verifica-se uma alteração substancial da condição do recluso, permitindo-lhe usufruir de uma liberdade não vigiada, muito semelhante em termos práticos à condição de facto do condenado que se encontra em liberdade condicional. A concessão da liberdade condicional depende de uma avaliação judicial dos respectivos pressupostos. Assim deve ser também com a concessão do regime aberto virado para o exterior, sob pena de frustração do poder exclusivo dos tribunais de fixar penas de prisão. Acresce que o Ministério Público pode impugnar a decisão de director-geral, mas esta impugnação não tem efeito suspensivo, pelo que o condenado pode ser colocado em regime aberto contra o parecer do MP, ao invés do que sucede na concessão da liberdade condicional, cujo recurso tem efeito suspensivo.
Mas esta não é a única questão grave colocada pelo novo Código das Prisões. De acordo com o novo código, as intervenções e os tratamentos médico-cirúrgicos e a alimentação co-activos são ordenados por despacho fundamentado do director do estabelecimento prisional e executados sob direcção médica. Também aqui o poder judicial fica arredado da decisão de uma matéria essencial de direitos fundamentais, violando o código a reserva constitucional do poder judicial sobre questões desta natureza.
Por outro lado, o Ministério Público é privado de poderes cruciais de controlo da legalidade das decisões da administração das prisões, não estando previsto o direito do MP impugnar as decisões administrativas que autorizem a transferência do recluso, coloquem pela primeira vez o recluso em cela de separação ou apliquem medidas disciplinares.
O diploma peca ainda por ser omisso em relação a várias matérias que têm dignidade constitucional e legal para nele constar. O código é muito lacunoso em matérias fundamentais, como o uso dos meios coercivos, a aplicação de sanções disciplinares e as restrições aos direitos a visitas, correspondência, saídas e contactos telefónicos, prevendo 47 remissões para um futuro regulamento do governo sobre estas matérias fundamentais. Trata-se de um cheque em branco dado ao Governo, que poderá vir a introduzir regras restritivas. Mais: o código é omisso sobre o regime aplicável aos estabelecimentos prisionais militares, que ainda hoje se regem por um diploma de 1896, nunca revogado. Um código das prisões que esquece que em Portugal ainda há pessoas submetidas a um regime prisional do século XIX não merece entrar em vigor!"
A norma em causa reproduz o sistema legal em vigor. Na prática, o director-geral dos serviços prisionais tem hoje e continuará a ter, se a norma sindicada vier a vigorar, a palavra decisiva sobre o quantum do período de reclusão que o condenado cumpre. Dito de outro modo, é o Governo, por intermédio do director-geral dos Serviços Prisionais, que determina que parte da pena de prisão aplicada pelos tribunais o condenado irá efectivamente cumprir em reclusão.
Esta norma é inconstitucional. Com efeito, a colocação do recluso em regime aberto no exterior representa uma intromissão séria do poder executivo no âmbito do poder judicial, que pode em termos práticos esvaziar de sentido a própria sentença condenatória transitada em julgado. É certo que a aplicação do regime aberto virado para o exterior depende do cumprimento de um quarto da pena, do gozo prévio de uma licença de saída jurisdicional com êxito e de que não se verifique pendência de processo que implique a prisão preventiva. Ou seja, a concessão deste regime depende de uma prévia decisão judicial de saída não custodiada do recluso por cinco dias. Mas a natureza da saída jurisdicional é muito diversa da natureza do regime aberto virado para o exterior. Se a primeira saída pre- cária depende de autorização judicial, por maioria de razão, a concessão do regime aberto virado para o exterior deve depender também dessa autorização. Neste caso, verifica-se uma alteração substancial da condição do recluso, permitindo-lhe usufruir de uma liberdade não vigiada, muito semelhante em termos práticos à condição de facto do condenado que se encontra em liberdade condicional. A concessão da liberdade condicional depende de uma avaliação judicial dos respectivos pressupostos. Assim deve ser também com a concessão do regime aberto virado para o exterior, sob pena de frustração do poder exclusivo dos tribunais de fixar penas de prisão. Acresce que o Ministério Público pode impugnar a decisão de director-geral, mas esta impugnação não tem efeito suspensivo, pelo que o condenado pode ser colocado em regime aberto contra o parecer do MP, ao invés do que sucede na concessão da liberdade condicional, cujo recurso tem efeito suspensivo.
Mas esta não é a única questão grave colocada pelo novo Código das Prisões. De acordo com o novo código, as intervenções e os tratamentos médico-cirúrgicos e a alimentação co-activos são ordenados por despacho fundamentado do director do estabelecimento prisional e executados sob direcção médica. Também aqui o poder judicial fica arredado da decisão de uma matéria essencial de direitos fundamentais, violando o código a reserva constitucional do poder judicial sobre questões desta natureza.
Por outro lado, o Ministério Público é privado de poderes cruciais de controlo da legalidade das decisões da administração das prisões, não estando previsto o direito do MP impugnar as decisões administrativas que autorizem a transferência do recluso, coloquem pela primeira vez o recluso em cela de separação ou apliquem medidas disciplinares.
O diploma peca ainda por ser omisso em relação a várias matérias que têm dignidade constitucional e legal para nele constar. O código é muito lacunoso em matérias fundamentais, como o uso dos meios coercivos, a aplicação de sanções disciplinares e as restrições aos direitos a visitas, correspondência, saídas e contactos telefónicos, prevendo 47 remissões para um futuro regulamento do governo sobre estas matérias fundamentais. Trata-se de um cheque em branco dado ao Governo, que poderá vir a introduzir regras restritivas. Mais: o código é omisso sobre o regime aplicável aos estabelecimentos prisionais militares, que ainda hoje se regem por um diploma de 1896, nunca revogado. Um código das prisões que esquece que em Portugal ainda há pessoas submetidas a um regime prisional do século XIX não merece entrar em vigor!"
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