Magistrados judiciais consideram que legislação deveria passar pelo Parlamento. Advogados lembram até que o Governo tem o apoio de "uma maioria parlamentar" que poderia propor a lei. Citius já funciona nos Açores, mas não para os advogados.
O projecto de decreto-lei destinado a suspender prazos nos tribunais que vai esta quinta-feira a Conselho de Ministros suscita dúvidas de constitucionalidade aos juízes. Destinado a ultrapassar os problemas suscitados pela paralisação quase total, de há um mês a esta parte, da plataforma informática Citius, o diploma devia, no entender da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), ser aprovado pelo Parlamento, uma vez que “a reforma judiciária resultou da discussão na Assembleia da República”.
“Devia ser uma lei da Assembleia da República, para acautelar a questão da constitucionalidade, uma vez que versa sobre direitos, liberdades e garantias”, observa o presidente da ASJP, Mouraz Lopes, acrescentando estar em causa a jurisdição de processo penal. Também a bastonária dos Advogados, Elina Fraga, sublinha que a forma escolhida para legislar “é complexa e oferece dúvidas”. Aliás, a Ordem, que defende que a mesma suspensão de prazos deveria aplicar-se aos processos em papel que estão “inacessíveis” em caixotes, recorda que “teria sido fácil fazer esta proposta de lei da forma mais correcta já que o Governo é suportado por uma maioria parlamentar”.
Já o Sindicato de Magistrados do Ministério Público (SMMP) discorda. Entende que a suspensão de prazos não tem de ser votada pelos deputados. “Mas posso não estar a ver o problema em toda a sua plenitude”, ressalva o presidente do SMMP, Rui Cardoso.
O Ministério da Justiça pediu aos agentes judiciais que se pronunciassem em 24 horas e recebeu várias objecções. Mouraz Lopes considera que, ao reconhecer a necessidade de suspender os prazos que advogados e magistrados reivindicavam há três semanas, a tutela “saiu do estado de negação”. A proposta merece a concordância global dos juízes, que lamentam não ser indicada uma data para o fim do regime de excepção.
Já para os procuradores, a suspensão deve ter efeitos a partir de 27 de Agosto, e não de 1 de Setembro, já que foi no fim de Agosto que o Citius deixou de estar acessível.
Recorde-se que o sistema informático regressou esta semana ao funcionamento nos Açores, faltando que o mesmo suceda nas 22 outras comarcas do país. As dificuldades de acesso que pareciam verificar-se na terça-feira no tribunal da ilha da Graciosa, cuja juíza dizia não conseguir entrar no sistema, podem afinal ter-se ficado a dever a um erro no manuseamento do Citius pela magistrada.
Os advogados do arquipélago continuavam, porém, esta quarta-feira sem conseguir aceder aos processos anteriores à reforma. “Dos 500 processos que tenho só consigo aceder aos novos que foram introduzidos” após 1 de Setembro, disse Jorge Valadão dos Santos, advogado em Angra do Heroísmo. Também a advogada, Margarida Leal, com escritório em S. Roque do Pico, deu conta da mesma situação. “É verdade. Não temos esse acesso”, referiu o presidente da delegação da Ordem nos Açores, Elias Pereira. O Ministério da Justiça não deu explicações para o problema.
O Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça vai continuar a transferir os processos anteriores ao novo mapa judiciário para o novo Citius. No site da plataforma, surgiu esta quarta-feira o anúncio de que a partir das 16h desta quinta-feira se realizará o procedimento nas comarcas da Guarda, Bragança e nos dias seguintes nas de Beja, Castelo Branco e Portalegre. Os oficiais de justiça dos Açores estiveram em greve esta quarta-feira, uma paralisação que irá repetir-se nos distritos de todo o país ao longo do mês.
Entretanto, a Confederação de Comércio e Serviços quer que a ministra da Justiça seja ouvida no Conselho de Concertação Social por causa dos prejuízos que a paralisação dos tribunais está a causar às empresas.
Por Nuno Ferreira Santos, in Público
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