Por Prof. Dr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE
"A Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça apresentou o seu quarto relatório sobre a eficácia dos serviços de justiça dos países membros do Conselho da Europa. O relatório reporta-se a dados do ano de 2008. Infelizmente para o nosso país, ele faz um balanço desequilibrado da justiça portuguesa.
Com um tal desequilíbrio não é apenas a vida dos cidadãos e das empresas que anda mais devagar, condicionada por um ritmo completamente demodé do aparelho de justiça. É a própria autoridade do Estado que se dilui, dando parte de fraco diante do arbítrio, da prepotência e do abuso do direito. E não se diga que a justiça tem o seu tempo próprio e esse tempo não se coaduna com o tempo da sociedade de informação. Este é um argumento retrógrado inaceitável. Fala assim quem já desistiu de lutar por uma justiça melhor. Ou, pior ainda, quem tem interesse na manutenção desta justiça caótica. A verdade é outra. A justiça que chega tarde não é justiça. Esta verdade é tanto maior quanto se pensar na justiça da família e dos menores, na justiça laboral e na justiça criminal, onde o atraso da justiça pode ter consequências trágicas sobre o dia-a-dia dos cidadãos a que ela se destina.
Por isso, a actividade legiferante deve concentrar-se em coisas essenciais. A situação do País já é demasiado séria para que o legislador ande a perder tempo e a gastar o dinheiro dos contribuintes com iniciativas legislativas inúteis. O exemplo mais acabado é a proposta de revogar expressamente 433 diplomas já há muito caducados ou tacitamente revogados, como o diploma relativo ao saneamento de militares que não sejam fiéis ao programa do Movimento das Forças Armadas ou o diploma que criou a Secretaria de Estado para a cooperação económica com os países socialistas. A legislação quer-se pouca, mas boa. E o primeiro critério da sua bondade é a utilidade.
Por isso, a actividade legiferante deve atentar nas obrigações internacionais do Estado português. Portugal não pode legislar como se fosse uma ilha isolada do resto do mundo, ignorando os compromissos assumidos pela sua participação em organizações internacionais. O último exemplo é o da proposta sobre o financiamento dos partidos políticos, que viola os padrões de transparência impostos pelo GRECO [Grupo de Estados contra a Corrupção], designadamente no que respeita ao financiamento dos partidos com "dinheiro vivo".
Por isso, a revisão já anunciada dos grandes códigos deveria ser empreendida depois de concluído o processo de revisão constitucional ou, pelo menos, depois de negociadas entre os partidos com assento parlamentar as bases fundamentais dessa revisão no tocante à justiça. Trata-se da reforma do Código de Processo Civil, com base no anteprojecto da comissão revisora. Trata-se também da reforma do Código Penal, com base nas directivas da criminalidade ambiental 2008/99/CE e 2009/123/CE, que foram ignoradas pelas recentes leis 39/2010 e 40/2010. Trata-se mais uma vez da reforma do Código de Processo Penal, com base na decisão-quadro do julgamento à revelia 2009/299/JAI, que foi esquecida pela recente Lei n.º 26/ /2010, sendo insuficiente a modificação dos artigos 333 e 334 do CPP. É que a revisão constitucional pode e deve ser o ensejo para se ir mais além, para se reformar verdadeiramente o sistema de justiça, criando novas bases constitucionais para um sistema mais justo, célere e previsível."
Sem comentários:
Enviar um comentário