Manta de retalhos
"Foram apresentados na Assembleia da República vários projectos de lei com o objectivo comum do combate à corrupção. Esses projectos incidem sobre as mais diversas matérias, desde a criação de novas incriminações (o crime urbanístico e o crime de recebimento indevido de vantagem) ao segredo fiscal e à suspensão do mandato dos titulares de órgãos autárquicos. Este conjunto de diplomas assemelha-se a uma manta de retalhos, mal cosidos uns aos outros.
Com efeito, o legislador insiste numa política criminal parcelar e casuística, que leva à vigésima quarta alteração do Código Penal, à vigésima alteração da lei geral tributária, à décima oitava alteração do regime das instituições de crédito e das sociedades financeiras, entre outras. Este ímpeto legislativo tem um preço, que é pa-go em última instância pelos cidadãos e pelas empresas. A instabilidade destes diplomas fundamentais cria uma insegurança óbvia na aplicação do direito. E o legislador não se coíbe minimamente. Bem pelo contrário. O exemplo do regime das instituições de crédito é paradigmático. No ano de 2009 este regime foi alterado quatro vezes, isto é, pelas leis 28/2009 e 94/2009 e pelos decretos-leis 162/2009 e 317/ /2009. Não obstante, menos de seis meses depois da entrada em vigor da última alteração, o legislador propõe-se já em 2010 voltar a alterar o dito regime!
É certo que algumas novidades importantes se apresentam, sendo a mais significativa a da criação do crime urbanístico. Trata-se de uma decisão política neocriminalizadora correcta. Mas ela peca por várias insuficiências. Por um lado, a formulação dada ao crime é manifestamente insuficiente, por ser demasiado restritiva. Os projectos do CDS e do BE só punem a acção do funcioná-rio de licenciamento ou autorização contra a lei, ou seja, em violação das normas urbanísticas e dos instrumentos de gestão ter-ritorial. O projecto do PS já pre- vê a punição do crime comum cometido pelo cidadão que procede à obra, mas só pune a construção, reconstrução ou ampliação que incida sobre via públi-ca, terreno da REN ou da RAN, bem do domínio público ou outro terreno especialmente protegido por lei. Ficam de fora infracções graves ao direito urbanístico, que devem ser criminalizadas, como sejam a construção de imóvel não autorizada ou em violação das regras de volume-tria, morfologia e alinhamento dos imóveis previstas no PDM, a construção em violação da licença de construção e do projecto, as falsas declarações dos autores dos projectos e a subscrição do projecto "de favor" ou por pessoa inibida de o fazer. Acresce que só é punível a decisão "consciente" do agente, o que restringe a punibilidade ao dolo directo, deixando de fora as situações em que o agente não sabe nem quer saber quais são as regras urbanísticas aplicáveis.
Por outro lado, o crime urbanístico é um crime contra a vida em sociedade e quando cometido por funcionário consubstancia verdadeiramente um crime de prevaricação e, portanto, é errónea a sua inserção entre os crimes patrimoniais, o que suscitará problemas de concurso de crimes.
Por fim, o legislador ignora a importância do direito premial neste ramo. É importante premiar os cidadãos que, tendo procedido a obra ilegal, repõem a situação de facto tal qual ela se encontrava antes da obra. Para estes deve estar previsto um regime de dispensa ou atenuação de pena, consoante a reparação ocorra antes ou depois do início do procedimento criminal."
1 comentário:
Artigo muito pobre.
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