Por Tiago Caiado Guerreiro, Advogado fiscalista
(in Diário Económico)
"Será justo ter que pagar o IVA quando ainda não o recebi dos clientes? O IVA só deveria ser exigível com recibo. É de elementar justiça.
O meu nome é Manuel. Sou um empresário português típico, dono de uma PME. É de manhã, levanto-me e dirijo-me para a "minha" empresa. Entro no meu automóvel que me custou 30.000 euros dos quais 12.000 são IVA e Imposto Automóvel. No caminho paro para pôr 50 euros de gasóleo, dos quais cerca de 70% (35 euros) são imposto sobre os combustíveis e IVA. Oiço nas notícias que o Imposto Único de Circulação aumentou exponencialmente.
Como é o fim do mês, já vou a fazer contas de cabeça do que tenho a pagar neste dia. Dos 100.000 euros de salários teóricos a pagar tenho de entregar ao Estado, cerca de 23.750 euros de taxa social única (só por parte da empresa). Se pagasse menos poderia contratar mais pessoal, mas assim não é possível.
A acrescentar a isto tenho de entregar o Pagamento Especial por Conta e, como cereja em cima do bolo, o IVA trimestral. Mas com a crise ainda não recebi de muitos dos meus clientes. Será justo ter que pagar o IVA quando ainda não o recebi dos meus clientes? O IVA só deveria ser exigível com recibo. É de elementar justiça.
Verifico mais uma vez o saldo bancário da empresa e interrogo-me: como é que vou fazer face a todas estas despesas, quando os meus clientes na maior parte dos casos ainda não me pagaram, sendo que alguns nem sequer o vão fazer e os bancos, também com problemas de liquidez, não me emprestam mais dinheiro?!...
Lembro-me da hipótese de recorrer à Justiça, mas um amigo chama-me à atenção para os enormes custos das taxas de justiça em Portugal, da morosidade do processo, e da prova infernal que os juízes exigem num simples processo de cobrança. Desisto pois de recorrer aos tribunais e clamar pela justiça a que teria direito no mais elementar Estado de Direito democrático. Saio do automóvel e entro para a fábrica. O edifício custou 1 milhão de euros a construir, dos quais 500 mil euros foram em impostos (de IVA não dedutível, licenciamentos, Imposto de Selo, IMT, e uma parafernália de taxas municipais). E o pior de tudo é que, apesar de já ter pago o empréstimo ao banco com o pesado Imposto de Selo, não sou verdadeiramente dono dele. Pago uma renda anual de 4 mil euros de IMI mais cerca de 2 mil euros de taxas de esgotos, de exploração e muitas outras escondidas nas facturas de electricidade, água, gás, etc..
Dirijo-me ao meu gabinete e telefono de imediato ao contabilista, que me chama a atenção para o facto de estar próximo o pagamento do IRC, e que a taxa efectiva que vou pagar sobre os 90 mil euros de lucro, vai ser próxima dos 40%. Pergunto-lhe como? Uma vez que o IRC e a Derrama são no total 26,5%. Este responde que esse número é ilusório, e explica-me que são sujeitos a imposto à taxa de 10%, os encargos com os automóveis e com as viagens e refeições, entre muitas outras coisas.
Interrogo-me! Então exportar é prioritário? Quando vou tentar alargar mercados para os meus produtos no estrangeiro pago impostos por esse esforço. Não basta já os custos económicos e de tempo que tais viagens implicam?
Diz-me também que o IVA com a aquisição de veículos ligeiros de passageiros não é dedutível, nem tão pouco com o combustível. Isto sem falar do maravilhoso IRS que incide sobre os parcos rendimentos. Agradeço-lhe e desligo o telefone e penso: o que é que eu estou a fazer aqui? Será que vale a pena? Somos esmagados pelos impostos, taxas, licenças, retenções, pagamentos especiais, liquidações, etc. para no final, depois de tanta dor de cabeça, ficarmos com quase nada. Por outro lado, quando queremos serviços tão elementares do Estado, como Justiça, Saúde, Segurança e Educação, apercebemo-nos que os nossos impostos desaparecem como se fossem atirados para um poço sem fundo. Alguns serviços são maus, lentos ou temos de os pagar mais uma vez, depois de já os termos pago com os nossos impostos.
Parece-me que a sociedade actual é iníqua, em que alguns trabalham para manter vícios e privilégios de outros, num ciclo de degradação que começou há mais de 20 anos, que se agrava de ano para ano e parece não ter fim."
(in Diário Económico)
"Será justo ter que pagar o IVA quando ainda não o recebi dos clientes? O IVA só deveria ser exigível com recibo. É de elementar justiça.
O meu nome é Manuel. Sou um empresário português típico, dono de uma PME. É de manhã, levanto-me e dirijo-me para a "minha" empresa. Entro no meu automóvel que me custou 30.000 euros dos quais 12.000 são IVA e Imposto Automóvel. No caminho paro para pôr 50 euros de gasóleo, dos quais cerca de 70% (35 euros) são imposto sobre os combustíveis e IVA. Oiço nas notícias que o Imposto Único de Circulação aumentou exponencialmente.
Como é o fim do mês, já vou a fazer contas de cabeça do que tenho a pagar neste dia. Dos 100.000 euros de salários teóricos a pagar tenho de entregar ao Estado, cerca de 23.750 euros de taxa social única (só por parte da empresa). Se pagasse menos poderia contratar mais pessoal, mas assim não é possível.
A acrescentar a isto tenho de entregar o Pagamento Especial por Conta e, como cereja em cima do bolo, o IVA trimestral. Mas com a crise ainda não recebi de muitos dos meus clientes. Será justo ter que pagar o IVA quando ainda não o recebi dos meus clientes? O IVA só deveria ser exigível com recibo. É de elementar justiça.
Verifico mais uma vez o saldo bancário da empresa e interrogo-me: como é que vou fazer face a todas estas despesas, quando os meus clientes na maior parte dos casos ainda não me pagaram, sendo que alguns nem sequer o vão fazer e os bancos, também com problemas de liquidez, não me emprestam mais dinheiro?!...
Lembro-me da hipótese de recorrer à Justiça, mas um amigo chama-me à atenção para os enormes custos das taxas de justiça em Portugal, da morosidade do processo, e da prova infernal que os juízes exigem num simples processo de cobrança. Desisto pois de recorrer aos tribunais e clamar pela justiça a que teria direito no mais elementar Estado de Direito democrático. Saio do automóvel e entro para a fábrica. O edifício custou 1 milhão de euros a construir, dos quais 500 mil euros foram em impostos (de IVA não dedutível, licenciamentos, Imposto de Selo, IMT, e uma parafernália de taxas municipais). E o pior de tudo é que, apesar de já ter pago o empréstimo ao banco com o pesado Imposto de Selo, não sou verdadeiramente dono dele. Pago uma renda anual de 4 mil euros de IMI mais cerca de 2 mil euros de taxas de esgotos, de exploração e muitas outras escondidas nas facturas de electricidade, água, gás, etc..
Dirijo-me ao meu gabinete e telefono de imediato ao contabilista, que me chama a atenção para o facto de estar próximo o pagamento do IRC, e que a taxa efectiva que vou pagar sobre os 90 mil euros de lucro, vai ser próxima dos 40%. Pergunto-lhe como? Uma vez que o IRC e a Derrama são no total 26,5%. Este responde que esse número é ilusório, e explica-me que são sujeitos a imposto à taxa de 10%, os encargos com os automóveis e com as viagens e refeições, entre muitas outras coisas.
Interrogo-me! Então exportar é prioritário? Quando vou tentar alargar mercados para os meus produtos no estrangeiro pago impostos por esse esforço. Não basta já os custos económicos e de tempo que tais viagens implicam?
Diz-me também que o IVA com a aquisição de veículos ligeiros de passageiros não é dedutível, nem tão pouco com o combustível. Isto sem falar do maravilhoso IRS que incide sobre os parcos rendimentos. Agradeço-lhe e desligo o telefone e penso: o que é que eu estou a fazer aqui? Será que vale a pena? Somos esmagados pelos impostos, taxas, licenças, retenções, pagamentos especiais, liquidações, etc. para no final, depois de tanta dor de cabeça, ficarmos com quase nada. Por outro lado, quando queremos serviços tão elementares do Estado, como Justiça, Saúde, Segurança e Educação, apercebemo-nos que os nossos impostos desaparecem como se fossem atirados para um poço sem fundo. Alguns serviços são maus, lentos ou temos de os pagar mais uma vez, depois de já os termos pago com os nossos impostos.
Parece-me que a sociedade actual é iníqua, em que alguns trabalham para manter vícios e privilégios de outros, num ciclo de degradação que começou há mais de 20 anos, que se agrava de ano para ano e parece não ter fim."
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