Nunca as forças de segurança lidaram com tantos casos de violência doméstica. O número de ocorrências registadas na PSP e na GNR já ultrapassou a barreira das 20 mil por ano, mas o de condenações é tão baixo que até "choca" o psicólogo criminal Carlos Poiares.
A violência doméstica passou a ser crime público em 2000. A lei previu a criação de uma rede de casas-abrigo e de centros de atendimento às vítimas, o reforço da possibilidade legal de afastamento do agressor e outros mecanismos de combate.
Cresceu a coragem para romper o silêncio. As forças de segurança registaram 11.162 ocorrências em 2000, 12.697 em 2001, 14.071 em 2002, 17.527 em 2003. A tendência sofreu uma quebra em 2004: 15.541. E recuperou quase de imediato: 18.193 em 2005, 20.595 em 2006, 21.907 em 2007.
Poucos casos, porém, sobem à barra dos tribunais. Em 2000, apenas 213 processos de maus tratos do cônjuge ou análogo chegaram à fase da sentença: 71 resultaram em condenação. Desde a alteração legislativa, houve uma subida tímida, gradual, do número de arguidos: 284 em 2001, 463 em 2002, 680 em 2003, 864 em 2004, 1035 em 2005, 1033 em 2006. E do de condenações: 128, 228, 344, 460, 527, 495.
Os dados provisórios apurados a 19 de Janeiro pelo Ministério da Justiça referem 1480 acusações e 704 condenações de maus tratos do cônjuge ou análogo em 2007. Houve um salto? Não se sabe. O método de recolha foi alterado. Até 2006, contava-se uma acusação ou uma condenação por pessoa: a mais grave. A partir de 2007, explicou José Carlos Costa, do gabinete de imprensa, "passaram a ser contabilizadas todas as acusações e condenações".
Não se pode estabelecer uma ligação directa entre estas denúncias e estas condenações, adverte a procuradora-geral ajunta Joana Marques Vidal: os casos julgados num ano não são os casos denunciados nesse ano; o agressor nem sempre é o cônjuge ou análogo (uma pequena parte das denúncias de violência doméstica diz respeito a menores maltratados por pais e idosos maltratados por filhos); e, quando o é, o acto pode ser enquadrado noutro crime (como ameaça ou injúria).
A também presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima congratula-se com o aumento de condenações. Mesmo sabendo que as denúncias "são uma pontinha da violência doméstica" - e que "as condenações são uma pontinha das denúncias": "Há muitos processos que nem chegam à fase de acusação porque não se consegue prova: muitas vezes, na fase de inquérito, a vítima nega o que disse".
É um crime de grande densidade psicológica. Há ambivalência, justifica Teresa Rosmaninho, da organização não governamental de mulheres Soroptimist. E a pressão exercida sobre a vítima é grande - até dos filhos, que tendem a não querer ver o pai atrás das grades.
Tribunal único
Carlos Poiares avança outras explicações. A violência doméstica é um crime que ocorre entre quatro paredes. Faltam testemunhas. E, quando as há, grande parte prefere não se envolver: "O velho ditado português 'em briga de marido e mulher não se mete a colher' continua a ter aplicação".
"Apesar das campanhas, muitas pessoas aceitam a violência doméstica com alguma normalidade", observa Poiares. E, por vezes, a imagem que o agressor passa para o exterior "é de grande dedicação". Se se pergunta aos familiares e amigos se há violência, "juram que não". E acontece o agressor minar a reputação da vítima, "dizer que se mete nos copos".
Na opinião do professor da Universidade Lusófona, "os dispositivos de controlo social têm de ser mais eficazes". Joana Marques Vidal também foca a necessidade de "uma recolha rápida e eficaz [de prova] na fase inicial" do processo. A nova legislação confere urgência a estes casos, o que lhe parece positivo. Todavia, a recolha de prova "tem de evoluir". Em Espanha, por exemplo, há equipas multidisciplinares, médico legista e psicólogo incluídos, que actuam logo.
Esta semana, numa audição parlamentar promovida pelo Bloco de Esquerda, Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, defendeu "um único tribunal" para tratar de casos de violência doméstica. Acha que este seria "um sistema que potenciaria um ressarcimento às vítimas".
Teresa Rosmaninho advoga relatórios sociais sobre as vítimas, como os que se fazem sobre quem é acusado de cometer um crime. Está convencida de que os juízes tomariam "decisões mais justas" se conhecessem todas as implicações. Se soubessem, por exemplo, "que a vítima ficou sem emprego porque o agressor ia lá, que a vítima perdeu o apoio da família porque o agressor ia lá".
A violência doméstica passou a ser crime público em 2000. A lei previu a criação de uma rede de casas-abrigo e de centros de atendimento às vítimas, o reforço da possibilidade legal de afastamento do agressor e outros mecanismos de combate.
Cresceu a coragem para romper o silêncio. As forças de segurança registaram 11.162 ocorrências em 2000, 12.697 em 2001, 14.071 em 2002, 17.527 em 2003. A tendência sofreu uma quebra em 2004: 15.541. E recuperou quase de imediato: 18.193 em 2005, 20.595 em 2006, 21.907 em 2007.
Poucos casos, porém, sobem à barra dos tribunais. Em 2000, apenas 213 processos de maus tratos do cônjuge ou análogo chegaram à fase da sentença: 71 resultaram em condenação. Desde a alteração legislativa, houve uma subida tímida, gradual, do número de arguidos: 284 em 2001, 463 em 2002, 680 em 2003, 864 em 2004, 1035 em 2005, 1033 em 2006. E do de condenações: 128, 228, 344, 460, 527, 495.
Os dados provisórios apurados a 19 de Janeiro pelo Ministério da Justiça referem 1480 acusações e 704 condenações de maus tratos do cônjuge ou análogo em 2007. Houve um salto? Não se sabe. O método de recolha foi alterado. Até 2006, contava-se uma acusação ou uma condenação por pessoa: a mais grave. A partir de 2007, explicou José Carlos Costa, do gabinete de imprensa, "passaram a ser contabilizadas todas as acusações e condenações".
Não se pode estabelecer uma ligação directa entre estas denúncias e estas condenações, adverte a procuradora-geral ajunta Joana Marques Vidal: os casos julgados num ano não são os casos denunciados nesse ano; o agressor nem sempre é o cônjuge ou análogo (uma pequena parte das denúncias de violência doméstica diz respeito a menores maltratados por pais e idosos maltratados por filhos); e, quando o é, o acto pode ser enquadrado noutro crime (como ameaça ou injúria).
A também presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima congratula-se com o aumento de condenações. Mesmo sabendo que as denúncias "são uma pontinha da violência doméstica" - e que "as condenações são uma pontinha das denúncias": "Há muitos processos que nem chegam à fase de acusação porque não se consegue prova: muitas vezes, na fase de inquérito, a vítima nega o que disse".
É um crime de grande densidade psicológica. Há ambivalência, justifica Teresa Rosmaninho, da organização não governamental de mulheres Soroptimist. E a pressão exercida sobre a vítima é grande - até dos filhos, que tendem a não querer ver o pai atrás das grades.
Tribunal único
Carlos Poiares avança outras explicações. A violência doméstica é um crime que ocorre entre quatro paredes. Faltam testemunhas. E, quando as há, grande parte prefere não se envolver: "O velho ditado português 'em briga de marido e mulher não se mete a colher' continua a ter aplicação".
"Apesar das campanhas, muitas pessoas aceitam a violência doméstica com alguma normalidade", observa Poiares. E, por vezes, a imagem que o agressor passa para o exterior "é de grande dedicação". Se se pergunta aos familiares e amigos se há violência, "juram que não". E acontece o agressor minar a reputação da vítima, "dizer que se mete nos copos".
Na opinião do professor da Universidade Lusófona, "os dispositivos de controlo social têm de ser mais eficazes". Joana Marques Vidal também foca a necessidade de "uma recolha rápida e eficaz [de prova] na fase inicial" do processo. A nova legislação confere urgência a estes casos, o que lhe parece positivo. Todavia, a recolha de prova "tem de evoluir". Em Espanha, por exemplo, há equipas multidisciplinares, médico legista e psicólogo incluídos, que actuam logo.
Esta semana, numa audição parlamentar promovida pelo Bloco de Esquerda, Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, defendeu "um único tribunal" para tratar de casos de violência doméstica. Acha que este seria "um sistema que potenciaria um ressarcimento às vítimas".
Teresa Rosmaninho advoga relatórios sociais sobre as vítimas, como os que se fazem sobre quem é acusado de cometer um crime. Está convencida de que os juízes tomariam "decisões mais justas" se conhecessem todas as implicações. Se soubessem, por exemplo, "que a vítima ficou sem emprego porque o agressor ia lá, que a vítima perdeu o apoio da família porque o agressor ia lá".
in PUBLICO.PT
1 comentário:
A criminalidade violenta, em particular a praticada por assaltantes fortemente armados e dispostos a tudo, inclusivé a matar, está a aumentar diariamente. Entretanto, os nossos governatese voltam à carga com o problema da "violência doméstica". Será para desviar a atenção dos portugueses e por não tomarem medidas que os tranquilizem sobre este problema?
Do mesmo modo, enquanto assaltantes fortemente armados atacam por todo o país: bancos, supermercados, bombas de combustíveis, habitações (agora chamado de "homejacking"), automóveis, aumenta-se o controlo policial sobre os automobilistas, mandando-lhes assoprar balões para vêr se ultrapassam ou não o valor legal de álcool permitido por lei. Alguns nem acatam a ordem de parar e nesses casos o melhor é anotar a matrícula do veículo porque pode ser perigosa a perseguição a alta velocidade.
Tal está a molenga, heim!
Zé da Burra o Alentejano
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