Fernanda Palma, Professora catedrática de Direito Penal
"A Filosofia parece ser um luxo: diz-se até que a ocidental nasceu do ócio, na Grécia Antiga. Porém, sem Filosofia, atravessaríamos a tempestade sem saber sequer se teria valido a pena, ou seja, sem qualquer noção do sentido das coisas.
Num exemplo apresentado por John Locke, no século XVIII, uma pessoa está presa num quarto sem o saber, mas, por coincidência, deseja permanecer lá. Pergunta-se se quem não pode optar por outra situação é livre, só por desejar estar na situação em que se encontra.
A resposta não é fácil, dependendo, afinal, do que entendermos por liberdade. Se a liberdade significa poder optar, aquela pessoa não é livre, mas viverá numa ilusão. Apesar de querer estar no quarto, não tem escolha e, por isso, não é livre.
O quarto de Locke ilustra uma ilusão de liberdade de que todos somos vítimas. Somos e fazemos apenas o que podemos. Mas o exemplo também revela um desfasamento entre realidade objectiva e subjectiva que tem relevância para delimitar a responsabilidade penal.
Em certos casos, como o da corrupção para acto lícito, a lei penal admite que, sem se fazer algo que seja pernicioso, se pode cometer um crime. Assim sucederá, por exemplo, se alguém praticar acto legal com celeridade, para favorecer outra pessoa.
A mera decisão de realizar um acto, sem imparcialidade, parece tornar-se o crime. E, na corrupção para acto lícito, o crime existe mesmo que o acto seja devido, legal e manifeste até a celeridade que uma boa Administração deve ter.
Assim, esta incriminação parece basear-se na subjectividade – em intenções e motivações –, mas não em danos efectivos. E esta conclusão é reforçada por não se exigir sequer a prática do acto, bastando a promessa de o praticar para haver um crime consumado.
Dir-se-á que o Inferno está cheio de intenções – até boas! Porém, esta lógica não é liberal, nem se apoia em critérios objectivos. A Constituição não pressupõe que a igualdade, a liberdade ou a propriedade sejam lesadas pela mera vontade de as ofender.
É certo que na corrupção para acto lícito se pressupõe a falta de transparência e de imparcialidade da Administração. Mas, se ela não se revelar em factos, estamos caídos num Direito Penal de meras intenções e a adoptar uma atitude inquisitória, contra séculos de luzes.
Por isso, é da maior importância a prova, exigida legalmente, de que o funcionário corrompido solicitou ou aceitou uma vantagem que não lhe era devida para praticar o acto. Esse facto é decisivo para legitimar a intervenção penal.
Algo de semelhante sucede num conflito de deveres. Quem, com motivações imorais, escolhe cumprir um dos deveres e pretere o outro, de valor igual, tem o seu comportamento ainda assim justificado, por não poder cumprir ambos os deveres."
Num exemplo apresentado por John Locke, no século XVIII, uma pessoa está presa num quarto sem o saber, mas, por coincidência, deseja permanecer lá. Pergunta-se se quem não pode optar por outra situação é livre, só por desejar estar na situação em que se encontra.
A resposta não é fácil, dependendo, afinal, do que entendermos por liberdade. Se a liberdade significa poder optar, aquela pessoa não é livre, mas viverá numa ilusão. Apesar de querer estar no quarto, não tem escolha e, por isso, não é livre.
O quarto de Locke ilustra uma ilusão de liberdade de que todos somos vítimas. Somos e fazemos apenas o que podemos. Mas o exemplo também revela um desfasamento entre realidade objectiva e subjectiva que tem relevância para delimitar a responsabilidade penal.
Em certos casos, como o da corrupção para acto lícito, a lei penal admite que, sem se fazer algo que seja pernicioso, se pode cometer um crime. Assim sucederá, por exemplo, se alguém praticar acto legal com celeridade, para favorecer outra pessoa.
A mera decisão de realizar um acto, sem imparcialidade, parece tornar-se o crime. E, na corrupção para acto lícito, o crime existe mesmo que o acto seja devido, legal e manifeste até a celeridade que uma boa Administração deve ter.
Assim, esta incriminação parece basear-se na subjectividade – em intenções e motivações –, mas não em danos efectivos. E esta conclusão é reforçada por não se exigir sequer a prática do acto, bastando a promessa de o praticar para haver um crime consumado.
Dir-se-á que o Inferno está cheio de intenções – até boas! Porém, esta lógica não é liberal, nem se apoia em critérios objectivos. A Constituição não pressupõe que a igualdade, a liberdade ou a propriedade sejam lesadas pela mera vontade de as ofender.
É certo que na corrupção para acto lícito se pressupõe a falta de transparência e de imparcialidade da Administração. Mas, se ela não se revelar em factos, estamos caídos num Direito Penal de meras intenções e a adoptar uma atitude inquisitória, contra séculos de luzes.
Por isso, é da maior importância a prova, exigida legalmente, de que o funcionário corrompido solicitou ou aceitou uma vantagem que não lhe era devida para praticar o acto. Esse facto é decisivo para legitimar a intervenção penal.
Algo de semelhante sucede num conflito de deveres. Quem, com motivações imorais, escolhe cumprir um dos deveres e pretere o outro, de valor igual, tem o seu comportamento ainda assim justificado, por não poder cumprir ambos os deveres."
1 comentário:
Exª Prof. Drªa Fernanda Palma
Não pude deixar de "ler Atentmente", as suas Sábias palavras,sobre corrupção.
Necessitava de falar consigo, sobre esta temática, com a brevidade possivel.
João Silva de Sousa (filho).
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