"O representante do Estado utilizou as acções preferenciais para vetar a proposta da Telefónica espanhola de compra da parte da PT na Vivo por um valor superior a sete mil milhões de euros, não obstante a concordância de cerca de 74% dos accionistas com a referida proposta. Esta foi uma decisão errada do Estado português.
É certo que os estatutos da PT prevêem a competência da assembleia geral para "definir os princípios gerais de política de participações em sociedades (...) e deliberar sobre as respectivas aquisições e alienações, nos casos em que aqueles princípios as condicionem à prévia autorização da assembleia geral" e as deliberações sobre esta matéria "não serão aprovadas, em primeira convocação ou em convocações subsequentes, contra maioria dos votos correspondentes às acções da categoria A", isto é, as tais acções preferenciais do Estado. E, portanto, o Estado poderia formalmente intervir e vetar o negócio em causa. Mas acima dos estatutos da PT estão as obrigações do Estado português decorrentes da Constituição da República e da sua pertença à União Europeia. E destas obrigações resulta claro que o uso da golden share foi um erro jurídico e político grave.
Por duas razões. Primeiro, por uma questão de princípio constitucional. A Constituição garante a liberdade de organização empresarial no âmbito de uma economia mista, e o Estado tem o dever constitucional de assegurar o funcionamento "eficiente" dos mercados. Sendo assim, o Estado não deve interferir na vida das empresas privadas, impondo uma estratégia que não é a querida pelos accionistas. Esta regra do jogo vale mesmo quando as empresas privadas tenham um interesse económico nacional e os negócios em causa possam eventualmente ser prejudiciais para o futuro estratégico imediato da empresa. O Estado não é senhor da vida das empresas privadas, não podendo ditar-lhes, qual senhor autocrático de outros tempos, como devem comportar-se na gestão da sua carteira de participações e na definição da sua estratégia de investimentos. Esta postura violaria claramente a liberdade de organização empresarial e o próprio dever de assegurar um funcionamento eficiente dos mercados.
A segunda razão respeita às obrigações internacionais do Estado português. Portugal faz parte de uma união económica, regida por um conjunto de regras que visam assegurar precisamente a liberdade da actividade económica no seio da união. De acordo com estas regras, o Estado não pode vetar um negócio querido pelos accionistas, com base num pretenso interesse público nacional que se sobreponha ao livre funcionamento da lei da oferta e da procura. Mesmo que a economia portuguesa tivesse um interesse na manutenção da participação da PT na Vivo que excedesse o valor que esta participação tem para os accionistas. Sobre este ponto não há hoje qualquer dúvida. O Tribunal de Justiça já concluiu desse modo aquando da avaliação dos direitos especiais do Estado italiano na Telecom italiana. E no caso português pendente o advogado-geral junto do Tribunal de Justiça também já se pronunciou no sentido desta jurisprudência.
Mais tarde ou mais cedo, a participação da PT na Vivo será vendida, em face da posição largamente maioritária dos accionistas e da manutenção do interesse do comprador. Tudo está agora em definir uma nova estratégia de investimentos e em não desbaratar os fundos frescos numa política majestática de dividendos."
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