sábado, maio 29, 2010

Impostos retroactivos

Por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE
(in DN Online)

"O Governo acaba de aprovar uma proposta de aumento do IRS em um ponto percentual das taxas gerais deste imposto aplicáveis até ao 3.º escalão de rendimentos e em 1,5 pontos percentuais a partir do 4.º escalão. Estas taxas são objecto de uma ponderação, aplicando-se em 2010 apenas em 7/12 do seu valor. Dito de outro modo, o agravamento será, consoante os casos, de 7/12 de 1% ou 1,5% sobre o rendimento anual, auferido de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2010.

Este aumento do IRS é descaradamente inconstitucional, porque a norma se aplicará aos rendimentos gerados antes da sua entrada em vigor ou mesmo a rendimentos exclusivamente gerados antes da sua entrada em vigor, como será o caso de um liberal com actividade exclusivamente nos primeiros cinco meses do ano. Destarte, o imposto viola o disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, que proíbe a aplicação de lei fiscal nova a factos anteriores à entrada em vigor da lei nova, e o princípio da confiança que decorre do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. Idênticos problemas se colocam com a derrama estadual de 2,5% incidente sobre o lucro tributável em IRC das empresas e a tributação das mais- -valias.

Note-se que a proposta do Governo não divide o período anual em duas partes, aplicando a cada um desses períodos a taxa de IRS em vigor na altura em que o rendimento foi pago ou colocado à disposição e, portanto, aplicando as novas taxas aos rendimentos pagos ou colocados à disposição depois da sua entrada em vigor. Nada disso! O Governo quebra despudoradamente a confiança do contribuinte, tributando o fruto do seu trabalho com uma taxa que não existia nem era previsível que existisse à data em que o rendimento do trabalho foi auferido.

O Governo defende-se com o argumento de que a lei não é retroactiva, mas "retrospectiva", uma vez que ela incide sobre o passado, mas não põe verdadeiramente em causa expectativas que a Constituição tutele, por não haver direito à imutabilidade da lei fiscal. Esta linha de argumentação só revela a manipulação da realidade de que este Governo é capaz e o desdém que nutre pelo contribuinte. Como se explica a um trabalhador que tenha ficado desempregado em Março de 2010 que ele afinal vai pagar imposto sobre os rendimentos auferidos em Janeiro e Fevereiro de 2010 e sobre a indemnização por cessação do contrato de trabalho a uma taxa mais elevada que só entrou em vigor depois de ele ter deixado de trabalhar? Que melhor exemplo pode existir do desdém do governante pelo governado?

O aumento de impostos tem também um significado económico importante. Por esta via, o Governo acaba de aprovar de forma encapotada a proposta do primeiro orçamento rectificativo para 2010. Em 2009, o Governo aprovou dois orçamentos rectificativos. Na minha crónica do DN de 27-11- -2009, escrevi que o Governo iria aumentar os impostos, depois de ter no segundo orçamento rectificativo de 2009 escolhido aumentar a dívida pública, porque esta via já não era suficiente para alimentar o monstro guloso do orçamento público. Ora cá está o dito aumento de impostos! E se mais tempo esta legislatura durar, mais aumentos teremos pela frente."

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