"O Governo acaba de aprovar uma proposta de aumento do IRS em um ponto percentual das taxas gerais deste imposto aplicáveis até ao 3.º escalão de rendimentos e em 1,5 pontos percentuais a partir do 4.º escalão. Estas taxas são objecto de uma ponderação, aplicando-se em 2010 apenas em 7/12 do seu valor. Dito de outro modo, o agravamento será, consoante os casos, de 7/12 de 1% ou 1,5% sobre o rendimento anual, auferido de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2010.
Este aumento do IRS é descaradamente inconstitucional, porque a norma se aplicará aos rendimentos gerados antes da sua entrada em vigor ou mesmo a rendimentos exclusivamente gerados antes da sua entrada em vigor, como será o caso de um liberal com actividade exclusivamente nos primeiros cinco meses do ano. Destarte, o imposto viola o disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, que proíbe a aplicação de lei fiscal nova a factos anteriores à entrada em vigor da lei nova, e o princípio da confiança que decorre do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. Idênticos problemas se colocam com a derrama estadual de 2,5% incidente sobre o lucro tributável em IRC das empresas e a tributação das mais- -valias.
Note-se que a proposta do Governo não divide o período anual em duas partes, aplicando a cada um desses períodos a taxa de IRS em vigor na altura em que o rendimento foi pago ou colocado à disposição e, portanto, aplicando as novas taxas aos rendimentos pagos ou colocados à disposição depois da sua entrada em vigor. Nada disso! O Governo quebra despudoradamente a confiança do contribuinte, tributando o fruto do seu trabalho com uma taxa que não existia nem era previsível que existisse à data em que o rendimento do trabalho foi auferido.
O Governo defende-se com o argumento de que a lei não é retroactiva, mas "retrospectiva", uma vez que ela incide sobre o passado, mas não põe verdadeiramente em causa expectativas que a Constituição tutele, por não haver direito à imutabilidade da lei fiscal. Esta linha de argumentação só revela a manipulação da realidade de que este Governo é capaz e o desdém que nutre pelo contribuinte. Como se explica a um trabalhador que tenha ficado desempregado em Março de 2010 que ele afinal vai pagar imposto sobre os rendimentos auferidos em Janeiro e Fevereiro de 2010 e sobre a indemnização por cessação do contrato de trabalho a uma taxa mais elevada que só entrou em vigor depois de ele ter deixado de trabalhar? Que melhor exemplo pode existir do desdém do governante pelo governado?
O aumento de impostos tem também um significado económico importante. Por esta via, o Governo acaba de aprovar de forma encapotada a proposta do primeiro orçamento rectificativo para 2010. Em 2009, o Governo aprovou dois orçamentos rectificativos. Na minha crónica do DN de 27-11- -2009, escrevi que o Governo iria aumentar os impostos, depois de ter no segundo orçamento rectificativo de 2009 escolhido aumentar a dívida pública, porque esta via já não era suficiente para alimentar o monstro guloso do orçamento público. Ora cá está o dito aumento de impostos! E se mais tempo esta legislatura durar, mais aumentos teremos pela frente."
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