Por Prof. Dr. Paulo Pinto de Albuquerque
(in DN Online)
"Esta semana, o Estado português foi condenado mais uma vez pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação da liberdade de expressão de um jornalista. Se o legislador quiser levar a sério esta condenação, tem de reformular o crime de violação de segredo de justiça. Só assim se libertará os jornalistas portugueses deste garrote e se respeitará a jurisprudência europeia sobre a liberdade de expressão.
O caso conta-se em poucas palavras: um jornalista publicou uma notícia relativa a alegadas agressões sexuais praticadas por um médico durante uma consulta médica. Este médico era também presidente de uma assembleia municipal. Na notícia, o jornalista menciona vários elementos do processo criminal, tais como a queixa da ofendida, a existência de dados laboratoriais confirmando a queixa, a decisão do arquivamento do Ministério Público sem ouvir a queixosa e o suspeito e o pedido de abertura de instrução da queixosa. Numa notícia posterior, o mesmo jornalista referiu-se a parte da decisão de arquivamento do MP, acompanhando a notícia de uma "nota editorial" no qual ele apelava a que "novos depoimentos e dados convincentes" viessem a público. Os elementos revelados pe-lo jornalista estavam, segundo a lei portuguesa, ao abrigo do segredo de justiça e, por isso, os tribunais nacionais condenaram o jornalista pelo crime de violação de segredo de justiça, além do crime de difamação.
O Tribunal Europeu foi peremptório: a notícia tinha interesse público, dado o cargo político do suspeito, e a condenação do jornalista violou a liberdade de expressão. Por duas razões. Primeiro, porque nenhum prejuízo concreto se verificou para a investigação, que já tinha terminado. Segundo, porque nenhum prejuízo concreto se verificou para a presunção de inocência, uma vez que o caso não seria julgado por juízes leigos que pudessem ser influenciados em detrimento do arguido pela notícia.
Esta decisão funda-se em argumentos já expostos pelo Tribunal, por exemplo no caso do jornalista Campos Dâmaso. Portanto, os jornalistas podem reve- lar elementos do processo em segredo de justiça, desde que essa revelação tenha interesse público e não prejudique em concreto a investigação, nem a presunção da inocência. Em síntese, a posição do Tribunal Europeu é mais ampla do que a lei portuguesa, mesmo depois da revisão de 2007. Para o Tribunal Europeu, só se verifica crime de violação do segredo de justiça se houver prejuízo concreto para a investigação ou a presunção de inocência.
Ora, a lei portuguesa conforma este crime como um mero crime de perigo, sem qualquer requisito quanto ao dano. Há que revê-la. Como há que rever a lei no tocante à publicação de escutas sem autorização do escutado, quando essas escutas tenham sido recolhidas em processo que já seja público. Se o processo já é público, as escutas podem ser difundidas livremente pelos jornalistas. Se as escutas já foram divulgadas publicamente no julgamento ou no YouTube ou noutro qualquer lugar de livre acesso público, os jornalistas podem noticiá-las livremente. O Tribunal Europeu também já disse isto mesmo, no famoso caso Weber v. Suíça, pelo que o crime do artigo 88.º, n.º 4, do Código de Processo Penal é uma afronta inconstitucional à liberdade de imprensa, que pune os jornalistas pelo exercício legítimo da sua profissão e envergonha Portugal diante do padrão europeu da liberdade de imprensa."
(in DN Online)
"Esta semana, o Estado português foi condenado mais uma vez pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação da liberdade de expressão de um jornalista. Se o legislador quiser levar a sério esta condenação, tem de reformular o crime de violação de segredo de justiça. Só assim se libertará os jornalistas portugueses deste garrote e se respeitará a jurisprudência europeia sobre a liberdade de expressão.
O caso conta-se em poucas palavras: um jornalista publicou uma notícia relativa a alegadas agressões sexuais praticadas por um médico durante uma consulta médica. Este médico era também presidente de uma assembleia municipal. Na notícia, o jornalista menciona vários elementos do processo criminal, tais como a queixa da ofendida, a existência de dados laboratoriais confirmando a queixa, a decisão do arquivamento do Ministério Público sem ouvir a queixosa e o suspeito e o pedido de abertura de instrução da queixosa. Numa notícia posterior, o mesmo jornalista referiu-se a parte da decisão de arquivamento do MP, acompanhando a notícia de uma "nota editorial" no qual ele apelava a que "novos depoimentos e dados convincentes" viessem a público. Os elementos revelados pe-lo jornalista estavam, segundo a lei portuguesa, ao abrigo do segredo de justiça e, por isso, os tribunais nacionais condenaram o jornalista pelo crime de violação de segredo de justiça, além do crime de difamação.
O Tribunal Europeu foi peremptório: a notícia tinha interesse público, dado o cargo político do suspeito, e a condenação do jornalista violou a liberdade de expressão. Por duas razões. Primeiro, porque nenhum prejuízo concreto se verificou para a investigação, que já tinha terminado. Segundo, porque nenhum prejuízo concreto se verificou para a presunção de inocência, uma vez que o caso não seria julgado por juízes leigos que pudessem ser influenciados em detrimento do arguido pela notícia.
Esta decisão funda-se em argumentos já expostos pelo Tribunal, por exemplo no caso do jornalista Campos Dâmaso. Portanto, os jornalistas podem reve- lar elementos do processo em segredo de justiça, desde que essa revelação tenha interesse público e não prejudique em concreto a investigação, nem a presunção da inocência. Em síntese, a posição do Tribunal Europeu é mais ampla do que a lei portuguesa, mesmo depois da revisão de 2007. Para o Tribunal Europeu, só se verifica crime de violação do segredo de justiça se houver prejuízo concreto para a investigação ou a presunção de inocência.
Ora, a lei portuguesa conforma este crime como um mero crime de perigo, sem qualquer requisito quanto ao dano. Há que revê-la. Como há que rever a lei no tocante à publicação de escutas sem autorização do escutado, quando essas escutas tenham sido recolhidas em processo que já seja público. Se o processo já é público, as escutas podem ser difundidas livremente pelos jornalistas. Se as escutas já foram divulgadas publicamente no julgamento ou no YouTube ou noutro qualquer lugar de livre acesso público, os jornalistas podem noticiá-las livremente. O Tribunal Europeu também já disse isto mesmo, no famoso caso Weber v. Suíça, pelo que o crime do artigo 88.º, n.º 4, do Código de Processo Penal é uma afronta inconstitucional à liberdade de imprensa, que pune os jornalistas pelo exercício legítimo da sua profissão e envergonha Portugal diante do padrão europeu da liberdade de imprensa."
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