Por Prof. Dr. Paulo Pinto de Albuquerque
"O homem que agride uma mulher indefesa é um predador. O criminoso predador é, segundo a criminologia, aquele que aproveita a condição de fragilidade da vítima para atacar. O predador visa subordinar a vítima à sua vontade, instrumentalizando-a, tratando-a como um objecto, propriedade sua. Quando ataca com armas, o predador visa evidenciar de forma ainda mais patente a sua superioridade sobre a vítima. Repetem-se os ataques de agentes predadores em Portugal, tendo como vítimas especialmente mulheres, idosos e crianças. Portugal não tem os meios legais e institucionais para tratar este tipo de criminalidade. Com efeito, nos sistemas jurídicos mais próximos do nosso foram consagrados instrumentos legais próprios para este efeito, como sucedeu com a revisão do regime dos criminosos perigosos na Alemanha em 1998 e em França em 2007. Em Portugal, estes agentes são considerados responsáveis, sendo-lhes aplicável uma moldura penal agravada. Em situações muito contadas, são considerados como delinquentes por tendência, sendo-lhes imposta uma pena relativamente indeterminada. Isto é, os agentes responsáveis perigosos, entre os quais se incluem os predadores, ainda são tratados com as regras do Código Penal de 1982.
É certo que o legislador aprovou recentemente uma lei da violência doméstica. De acordo com esta lei, a vítima do crime de violência doméstica tem um estatuto especial, do qual fazem parte o direito à informação, o direito à audição e apresentação de prova, o direito à consulta jurídica gratuita, o direito ao reembolso de despesas resultantes do processo, o direito à protecção, o direito a indemnização e restituição de bens e o direito à prevenção da vitimização secundária.
Bem vistas as coisas, o direito à informação já resulta das disposições do Código de Processo Penal, quer no que respeita à notificação do seguimento dado à denúncia quer no que concerne à libertação do agente. Os direitos à audição e apresentação de prova são os do assistente, pelo que a vítima só pode exercê-los se estiver constituída como assistente no processo. Os direitos à consulta jurídica gratuita e ao reembolso de despesas resultantes do processo são os que resultam dos "termos estabelecidos na lei", pelo que nada acrescentam ao direito vigente. O "direito à protecção" já está previsto pela Lei n.º 93/99. O direito à devolução "imediata" de bens apreendidos pertencentes à vítima "salvo necessidade imposta pelo processo penal" já está previsto no artigo 186.º do CPP. O mesmo se passa com o direito à prevenção da vitimização secundária, como resulta do que dispõe o artigo 271.º do CPP. Em suma, esta é uma lei que amontoa banalidades, com repetições gratuitas do direito vigente. Por outro lado, na nova lei de política criminal, a Lei n.º 38/2009, o legislador resolveu o problema criado, na revisão do Código de Processo Penal de 2007, com a proibição da detenção fora de flagrante de delito em casos em que haja perigo de continuação criminosa, como sucede na violência doméstica. Mas não resolveu o problema, também resultante da reforma de 2007, da indeterminação da obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, prevista no artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal. A indeterminação da sanção legal, que não prevê o limite temporal máximo da pena de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, põe em causa a constitucionalidade do preceito legal. Por fim, o legislador não impôs, como devia, uma directiva ao Ministério Público para recorrer das sentenças que não apliquem prisão efectiva nos casos de violência doméstica. E devia fazê-lo porque assim decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que condenou a Turquia precisamente no caso de um arguido acusado pelo crime de violência doméstica, por ter ameaçado de morte e esfaqueado por sete vezes a vítima. A este arguido os tribunais turcos aplicaram apenas pena de multa, o que Tribunal Europeu considerou manifestamente insuficiente. Ao invés, o legislador português suprimiu mesmo o dever de o Ministério Público recorrer de decisões contrárias à política criminal democraticamente fixada pelo Parlamento. Dito de outro modo, o legislador português desautorizou a sua própria política criminal e abandonou as vítimas à sua sorte. Tudo ao arrepio do padrão europeu."