Começa a ser quase impossível defender o Tribunal Constitucional dos seus detractores, sobretudo os da magistratura. Pelo Constitucional passaram já muitos dos nossos melhores juristas e juízes, nomes mais conhecidos ou mais discretos, oriundos da universidade, dos tribunais, das carreiras jurídicas. Não preciso citar nomes. Tinham certamente visões diferentes sobre o que significa fazer justiça com a Constituição (ainda que isso, absurdamente, nunca lhes tivesse sido perguntado) e muitos deles não escondiam convicções políticas. Mas não eram políticos nem invenções de políticos; garantiam a independência judicial, o pluralismo do órgão e prestigiavam as suas decisões.
Entretanto, acontece que a selecção dos juízes constitucionais se tem tornado, como tantas outras nomeações na República, um processo cada vez mais sectário e discutível. Diz-me quem nomeias, dir-te-ei quem és. Os partidos passaram a lidar com o Constitucional como fizeram com a Gebalis, com outras empresas públicas e outros cargos do Estado. Isto paga-se caro. Basta ver como em decisões recentes o tribunal foi recebido e apoucado. Procurem duas ou três opiniões de juristas consagrados, que aceitem dar a cara, e verão que nada digo de gratuito.
Havia por isso uma certa expectativa em saber quem é que os partidos iriam indicar para o Constitucional, visto que no nosso sistema compete ao Parlamento eleger a quase totalidade dos seus juízes (o que pode ser uma anomalia, mas esse é outro tema). Ora, o PS apresentou o nome de José Conde Rodrigues, ex-membro de um Governo socialista, ex-secretário de Estado, cuja experiência se resume a ano e meio como juiz e de quem não se conhece mais nada. O PSD lembrou-se de Paulo Saragoça da Mata, de cujos méritos técnicos não duvido, mas entre comentar assuntos jurídicos nas televisões e acabar depois no Constitucional vai uma grande distância.
Quanto ao PS, a opção por Conde Rodrigues revela que os socialistas não aprenderam nada com o exemplo de Rui Pereira. Apesar de notável jurista, Rui Pereira deu aquele triste espectáculo de ao fim de meses ter largado o Tribunal Constitucional para ser ministro de José Sócrates. Com Conde Rodrigues, o PS faz o inverso: ressuscita dos governantes "mortos-vivos" um juiz sem tempo de carreira e eleva-o ao Palácio Ratton.
Uma pesquisa cursiva pela actual e anteriores composições mostra-nos que até agora fizeram parte do Tribunal Constitucional 21 juízes de carreira: 13 pertenciam aos tribunais supremos, cinco eram juízesdesembargadores e os restantes três eram juízes de Direito com mais de 20 anos de carreira. Mais do que compreensível, é necessário. Neste caso, indicando Conde Rodrigues, o PS propõe quem tem só ano e meio de funções no tribunal administrativo de primeira instância.
Quando ao PSD, também não vai melhor: escolheu para a justiça constitucional, a mais sensível, aquela de que em última análise depende o Estado de Direito, um antigo advogado de Vale e Azevedo.
Com o devido respeito pelos visados, os ingleses têm uma palavra para isto: cronyism. Ou parafraseando Eduardo Catroga: estão a "abandalhar" o Tribunal Constitucional. Nos Estados Unidos, quando Bush quis nomear para o Supremo a sua amiga e conselheira Harriet Miers, até aos republicanos custou engolir o que era notoriamente uma nomeação imprópria e clientelar. Perante as críticas, Bush retirou depois a escolha. Mas entre nós não se ouvirá um sino. Batemos no fundo.
Por Pedro Lomba | Público | 17-04-2012
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