Paulo Pinto Albuquerque, docente na Universidade Católica e antigo magistrado judicial, pede a criminalização do enriquecimento ilícito.
Correio da Manhã – Concorda com a criminalização do enriquecimento ilícito?
Pinto Albuquerque – Sim. A criminalização do enriquecimento ilícito é um instrumento de política criminal crucial para atacar o problema da corrupção na nossa sociedade. É possível criar um tipo penal conforme com a Constituição, como sucede em França. Fiz esta proposta na Assembleia da República, mas não foi acolhida.
– Há um real problema de meios para o combate à corrupção?
– Os meios são sempre escassos. Acho que os meios que existem poderiam e deveriam ser mais bem utilizados. Há um problema estrutural de deficiente organização dos meios na Justiça.
– Concorda com Maria José Morgado quando diz que a corrupção é protegida por um Código de Processo Penal (CPP) que pede provas impossíveis?
– O CPP rege-se pelo princípio da imediação: toda a prova tem de ser produzida diante do juiz para que ele possa ter uma percepção directa e imediata da prova. Este princípio foi consagrado numa versão maximalista que não tem paralelo em nenhum outro código europeu e dificulta a produção da prova pelo Ministério Público. É preciso reformular este princípio, sobretudo nos casos em que a prova seja produzida antes de julgamento diante do advogado da defesa.
– Concorda com a nova lei de financiamento dos partidos?
– A nova lei ainda não resolve os problemas do financiamento ilegal. É útil atentar nas recomendações do relatório GRECO para construir uma lei mais transparente.
– As recomendações do GRECO são particularmente críticas em relação às mudanças introduzidas pela comissão parlamentar sobre corrupção. Isto é um sinal da inconsequência prática com que se fazem leis nesta área?
– A revisão do Código Penal (CP) já está desactualizada. O CP terá de ser de novo revisto. A Assembleia da República deveria ter aguardado pelo relatório GRECO para evitar esta situação.
– Estas comissões parecem servir apenas para sair de embaraços políticos, como foi o do ‘pacote Cravinho’ para o PS...
– A corrupção é endémica na sociedade portuguesa, e a lei não estava em 2001, nem está ainda hoje, à altura do problema.
"MP MANTÉM O DEVER DE FAZER A PROVA"
"O Ministério Público (MP) mantém o dever de fazer a prova dos elementos do crime, isto é, dos rendimentos lícitos do político, do seu património e modo de vida e da manifesta desproporção entre aqueles e estes – e ainda de um nexo de contemporaneidade entre o enriquecimento e o exercício de funções políticas. Se não se provar todos estes elementos do crime, não se pode punir o político. Se o MP provar todos estes elementos do crime, o político deve ser punido, porque se verifica o perigo de o enriquecimento do político provir de crimes cometidos no exercício de funções. O político não tem de fazer prova, mas pode destruir a prova da acusação." Esta é a forma como Pinto de Albuquerque tipifica o crime de enriquecimento ilícito.
Por Eduardo Dâmaso, in Correio da Manhã