sábado, fevereiro 03, 2007

Processos de abuso fiscal suspensos


A confusão está lançada nos tribunais e milhares de processos por abuso de confiança fiscal podem estar em risco de paralisar devido a uma alteração introduzida pelo Orçamento do Estado de 2007. Face à gravidade da situação, ontem mesmo o Ministério das Finanças foi obrigado a emitir um comunicado que procurava esclarecer a situação. No entanto, há sentenças que consideram aquele crime despenalizado e já decretaram a extinção do procedimento criminal.

Tudo se resume à alínea b) do n.º 4 do artigo 105 do Regime Geral das Infracções Tributária (RGIT) que foi alterada pelo OE/2007 e que estabelece uma nova condição para que o crime de abuso de confiança fiscal seja punido: que “a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não tenha sido paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito”.

Tratando-se de uma norma mais favorável ao arguido/contribuinte, mandam as regras de Direito Penal que seja ela aplicada a todos os processos em curso. Ora, segundo especialistas contactados pelo CM, isto implica que todos os processos de abuso de confiança que estão a correr nos tribunais sejam suspensos e remetidos aos serviços de Finanças para se realize a notificação exigida na nova norma.

Mas a confusão não se fica por aqui. Isto porque existem juízes que consideram que a alteração introduziu uma “condição objectiva de punibilidade” (o não pagamento após notificação para que pague em 30 dias), o que configura uma verdadeira sucessão de leis penais.

Face ao novo enquadramento, o juiz do 2.º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal de Leiria decidiu, num caso de abuso de confiança fiscal, considerar que os factos se encontram despenalizados, julgando extinto o procedimento criminal.

Este não é o entendimento de todos os tribunais. Segundo apurou o CM, o juiz do Tribunal de Alcanena, confrontado com um caso semelhante, considerou que, face às alterações da lei, era necessário suspender o processo criminal e remetê-lo à administração tributária para que esta desse cumprimento ao estabelecido na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.

Um terceiro entendimento foi suscitado pelo juiz do Círculo Judicial de Santarém que considera que a alteração legal não despenalizou o crime de abuso de confiança fiscal. Aquele magistrado, realizando uma interpretação extensiva da lei penal, notificou ele mesmo o arguido para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento da coima mínima prevista no artigo 114, devendo juntar aos autos a pertinente prova documental do pagamento.

Estas divergências deverão ser resolvidas através de recurso para o Tribunal da Relação.

O QUE DIZ O GOVERNO

DESPENALIZAÇÃO

Não há uma despenalização genérica. Só quando o sujeito declarou a dívida (embora não a pagando) e venha posteriormente a regularizar a situação após notificação é que pode existir despenalização.

CUMULATIVAS

As alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 105 do RGIT não são cumulativas porque se tratam de realidades diferentes. A primeira refere-se à ocultação (que é sempre crime fiscal), a segunda trata de atraso no pagamento.

ALIVIAR OS TRIBUNAIS

O Governo diz que a medida legislativa tem por objectivo aliviar os tribunais de situações de meros atrasos nas entregas de imposto.

Por Miguel Alexandre Ganhão, in Correio da Manhã.

Sem comentários: