Todos reconhecem que "é uma realidade" em Portugal, mas ninguém sabe dizer quantas crianças estão nestas condições. Fala-se em "milhares". Mas ao certo é impossível quantificar as crianças que passam anos a fio presas a uma instituição de acolhimento, à margem do circuito da adopção, pelo simples facto de os pais biológicos as visitarem uma vez ou outra... para cumprirem a lei. Sem a criação de laços afectivos. São crianças que ficam penduradas nas instituições pela mão dos próprios pais, que não as querem ou não as podem ter no seu lar, mas que também não as querem "dar" a outra família. E nem sempre o desinteresse dos pais é reportado a quem de direito ou quem de direito dá uma nova oportunidade a essa criança.
"Das mais de 15 mil crianças que estão institucionalizadas, acredito que existam duas ou três mil que estão nessas condições, em que os pais praticamente as ignoram mas não as querem adoptadas", disse ao DN Luís Villas-Boas, presidente do Refúgio Aboim Ascensão e da extinta Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção. "Os tribunais não têm conhecimento de todas as situações, porque muitas das instituições não têm capacidade técnica para actuar. Por outro lado, ainda existe a cultura entre os magistrados de dar prevalência à família biológica", critica Villas-Boas.
Também a deputada socialista Maria José Gamboa acredita que "existem milhares de crianças sem um projecto de vida que as coloque em cima do interesse biológico de pais que aparecem de quando em vez". A antiga coordenadora do Projecto de Apoio à Família e Criança responsabiliza algumas "instituições que não informam o Ministério Público do número de crianças que estão nessas condições" e revela que muitas instituições não o fazem porque "acreditam que podem educar saudavelmente a criança desde o berço ao casamento".
"Há um esforço do Governo para inverter esta situação e a Secretaria de Estado está a começar pelos projectos de vida dos menores até aos três anos, mas está tudo ainda por contabilizar", avisa a deputada, para quem outro dos entraves à adopção destas crianças, quase ignoradas pelos pais, está na cultura que se vive ainda na magistratura, que "tem uma opção clara pelo vínculo biológico". "Os juízes pensam: 'Há avó? Procure-se a avó. Há um tio? Tente-se falar com ele.' E assim se perdem os circuitos mais simples da adopção que são os primeiros anos."
O novo regime da adopção veio determinar que (diz o artigo 1978.º do Código Civil) o tribunal pode confiar o menor a um casal ou a uma instituição, para futura adopção, quando "não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação" e se os pais revelarem "manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos durante pelo menos três meses". Nestes casos, o poder paternal é retirado aos pais e a criança fica adoptável. Mas não é isto que está a acontecer em Portugal em relação a todas as crianças cujos pais manifestam desinteresse. A razão última que Villas-Boas e Maria José Gamboa apontam é uma: "Há um excessivo peso do primado da família biológica" - "é uma questão cultural".
Mas, afinal, o que se entende por "desinteresse"? "É quando os pais não visitam a criança, não perguntam por ela, não estabelecem uma relação de qualidade ou gerem instabilidade na criança", diz Helena Simões, responsável pela adopção no Instituto da Segurança Social. "Um simples telefonema não é manifestação de interesse", defende, opinião partilhada por Luís Villas-Boas. Helena Simões entende "que é importante existirem equipas multidisciplinares para avaliarem todas estas questões" e avisa que "tem de haver coragem de todos os que intervêm nesta matéria porque é preciso ter em atenção o tempo útil da criança".
Então porque existem mais de 15 mil crianças institucionalizadas e só 715 estão actualmente em condições de serem adoptadas? "Ou porque a família está próxima, ou porque as equipa no terreno não agilizaram planos de intervenção ou porque há obstáculos de natureza jurídica", responde Helena Simões.
O procurador no Tribunal de Família e Menores do Porto Maia Neto admite ao DN que "existe uma cultura" nos tribunais de "esgotar as possibilidades de afectos com a família biológica". Lembra que não "é o direito que define vínculos" e defende, por isso, que seria desejável "melhorar a articulação entre técnicos e magistrados", reforçando a assessoria junto de juízes e procuradores - "temos de levar isto para dentro do direito".
Por Inês David Bastos e Céu Neves, in DN Online
"Das mais de 15 mil crianças que estão institucionalizadas, acredito que existam duas ou três mil que estão nessas condições, em que os pais praticamente as ignoram mas não as querem adoptadas", disse ao DN Luís Villas-Boas, presidente do Refúgio Aboim Ascensão e da extinta Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção. "Os tribunais não têm conhecimento de todas as situações, porque muitas das instituições não têm capacidade técnica para actuar. Por outro lado, ainda existe a cultura entre os magistrados de dar prevalência à família biológica", critica Villas-Boas.
Também a deputada socialista Maria José Gamboa acredita que "existem milhares de crianças sem um projecto de vida que as coloque em cima do interesse biológico de pais que aparecem de quando em vez". A antiga coordenadora do Projecto de Apoio à Família e Criança responsabiliza algumas "instituições que não informam o Ministério Público do número de crianças que estão nessas condições" e revela que muitas instituições não o fazem porque "acreditam que podem educar saudavelmente a criança desde o berço ao casamento".
"Há um esforço do Governo para inverter esta situação e a Secretaria de Estado está a começar pelos projectos de vida dos menores até aos três anos, mas está tudo ainda por contabilizar", avisa a deputada, para quem outro dos entraves à adopção destas crianças, quase ignoradas pelos pais, está na cultura que se vive ainda na magistratura, que "tem uma opção clara pelo vínculo biológico". "Os juízes pensam: 'Há avó? Procure-se a avó. Há um tio? Tente-se falar com ele.' E assim se perdem os circuitos mais simples da adopção que são os primeiros anos."
O novo regime da adopção veio determinar que (diz o artigo 1978.º do Código Civil) o tribunal pode confiar o menor a um casal ou a uma instituição, para futura adopção, quando "não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação" e se os pais revelarem "manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos durante pelo menos três meses". Nestes casos, o poder paternal é retirado aos pais e a criança fica adoptável. Mas não é isto que está a acontecer em Portugal em relação a todas as crianças cujos pais manifestam desinteresse. A razão última que Villas-Boas e Maria José Gamboa apontam é uma: "Há um excessivo peso do primado da família biológica" - "é uma questão cultural".
Mas, afinal, o que se entende por "desinteresse"? "É quando os pais não visitam a criança, não perguntam por ela, não estabelecem uma relação de qualidade ou gerem instabilidade na criança", diz Helena Simões, responsável pela adopção no Instituto da Segurança Social. "Um simples telefonema não é manifestação de interesse", defende, opinião partilhada por Luís Villas-Boas. Helena Simões entende "que é importante existirem equipas multidisciplinares para avaliarem todas estas questões" e avisa que "tem de haver coragem de todos os que intervêm nesta matéria porque é preciso ter em atenção o tempo útil da criança".
Então porque existem mais de 15 mil crianças institucionalizadas e só 715 estão actualmente em condições de serem adoptadas? "Ou porque a família está próxima, ou porque as equipa no terreno não agilizaram planos de intervenção ou porque há obstáculos de natureza jurídica", responde Helena Simões.
O procurador no Tribunal de Família e Menores do Porto Maia Neto admite ao DN que "existe uma cultura" nos tribunais de "esgotar as possibilidades de afectos com a família biológica". Lembra que não "é o direito que define vínculos" e defende, por isso, que seria desejável "melhorar a articulação entre técnicos e magistrados", reforçando a assessoria junto de juízes e procuradores - "temos de levar isto para dentro do direito".
Por Inês David Bastos e Céu Neves, in DN Online
3 comentários:
Um caso real: conheci o meu filho em 1997, com 3 anos e meio, através do programa Família Amiga, no qual a minha mãe colaborava. Em Abril de 1998, informaram que estava elaborado o seu projecto de vida, logo iria ser adoptado. Casada há 2 anos protifiquei-me para o adoptar. No CAO todos foram unâmimes que este seria o projecto de vida ideal pois a criança estav integrada na família e nós, na altura, éramos dos casais mais novos a adoptar em Portugal (eu tinha 26 anos e o meu marido 27). Aconselharam-me a falar com a directora do serviço da SCM (Dra. ??? Brandão) que me informou ser completamente impossível pois 1. não estava em lista de espera, 2. não tinha o número de anos de casada exigido pela lei da altura,3.não residia em LX. Face ao exposto não ia pedir à senhora que cometesse uma ilegalidade...continuámos a ir buscar o meu filho ao CAO ao fim-de-semana...sempre com medo de um dia o perdermos....em finais de Maio, a equipa do CAO que seguia a criança...perguntou à minha mãe se eu já tinha resolvido adoptá-la. A minha mãe contou-lhes a minha conversa com a Directora e a equipa, contrariando a vontade da dirigente, afirmou que tudo seria ultrapassável pois sem dúvida o melhor projecto de vida para a criança (na altura já quase com 4 anos, com enormes dificuldades de fala e relacionamento, e de origem cabo-verdiana)era ficar connosco. Em Junho o meu filho estava comigo, através de confiança judicial, o processo de adopção plena foi metido em tribunal em Julho 1999, no dia seguinte a fazermos 4 anos de casados, e ficou resolvido apenas em 2001 (porque o juiz, que nos ouviu a nós e às testemunhas em set99, só teve "disponibilidade de despachar o processo nesta data, após eu ter ido ao tribunal pedir para consultar o processo e ter ameaçado queixar-me dele por não dar prioridade a um caso que envolvia um menor, que não estando em risco, estava em idade escolar, a frequentar uma escola particular onde era identificado com o nome da família adoptiva embora nos papéis oficiais do ministério constasse o nome da família biológica).
Ainda hoje me pergunto intimamente:
...porquê a mudança de atitude da SCM face a esta adopção ?????
... o meu filho nunca foi registado pelos pais, embora as assistentes sociais soubessem quem era o pai, nunca o obrigaram a assumir a paternidade, provavelmente se o tivessem feito o meu filho não seria adoptado antes do 8 anos....por outro lado, correram o risco de transformar o meu filho numa "Esmeralda"...????
... porque é que um juiz demora 2 anos para escrever um despacho que não tem mais de 5 linhas e que nem sequer prima pela boa qualidade ortográfica???
... não deveriam as instituições acompanhar/apoiar durante mais tempo e efectivamente as crianças adoptadas/famílias adoptantes????
outro caso real: na sequência da adopção do meu filho conheci algumas crianças do CAO de Santa Joana:
....crianças que se abeiravam de nós e nos diziam que tinham o mesmo nome do meu filho...porque é que não podiam ir connosco???.....
.... dois irmãos que estavam institucionalizados, cuja mãe os ia ver no fim de prazo legal (impedindo-os de ir para adopção) e já grávida de outra criança, que provavelmente tb veio a ser institucionalizada...
...e um rapaz que muito me marcou: sofria de raquitismo (resultado dos consumos de alcool dos pais durante a gestação)e a equipa conseguiu encaminhá-lo para a adopção internacional mas o egoísmo do pai (que estava preso)impossibilitou o processo o que fez que a criança fosse para uma instituição em Carcavelos, onde provavelmente ainda hoje se encontra...nunca me esquecerei do PP e muitas vezes penso na quantidade de PP's que existem neste país onde o Estado ainda não olha pelo supremo bem estar da criança....Pergunto-me neste caso concreto foi acautelado o egoísmo do pai biológico e descurada a felicidade, o bem estar e o desenvolvimento deste menino....
Exma. Sra. Sónia,
Muito obrigado pelos seus testemunhos.
São, sem dúvida, situações reais que, na impossibilidade de se terem concretamente evitado, pelo menos sirvam para suscitar reflexão séria sobre a problemática inerente.
Melhores cumprimentos
VEXATA QUAESTIO
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