domingo, janeiro 08, 2006

Maioria dos delinquentes foram crianças em risco


Observatório Permanente da Justiça alerta para a necessidade urgente de reavaliar a promoção e protecção de menores. Acompanhamento falha na base e depois no percurso após os delitos.

"A grande maioria dos jovens que viemos encontrar e que cometeram delitos já tinham sido sinalizados, como crianças em risco, no sistema de protecção e promoção", afirma Conceição Gomes, do Observatório Permanente da Justiça, defendendo que "esse sistema (sob tutela do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social) deve ser reavaliado".

As conclusões chegaram após uma avaliação à Lei Tutelar Educativa (LTE) - que define as medidas a aplicar aos jovens, dos 12 aos 16 anos, que cometeram delitos) - pedida pelo Ministério da Justiça e elaborada a partir de 2003 e concluída em 2004.

Um percurso de vida

O estudo, denominado "Os caminhos difíceis da Nova Justiça Tutelar Educativa", revela que a montante da LTE, "as crianças e jovens que entram no sistema tutelar educativo estão ou estiveram, na sua maioria, sujeitas a factores de risco, que justificariam a intervenção mais cedo do sistema de protecção e promoção dos direitos das crianças; ou uma intervenção mais eficaz".

E continua, concluindo que "é urgente uma avaliação da aplicação da Lei de Promoção e Protecção". Conceição Gomes vai mais longe e afirma que quem trabalha nesta área acaba por encontrar, mais tarde, muitos destes jovens delinquentes - que já foram crianças em risco - no sistema prisional. Ou seja, "alguma coisa falha no domínio da Solidariedade Social", impedindo a conversão ou a integração social destas crianças. "É quase uma carreira. São sinalizadas como crianças em risco e depois... acaba por ser um percurso de vida".

Na perspectiva desta investigadora, "os instrumentos já existentes têm que ser agilizados". "Tem que haver mais meios", "as crianças, por exemplo, não podem estar tanto tempo institucionalizadas" e, além disso, "a adopção deve ser mais recorrente e célere". Relativamente a esta última questão "o em foco deve ser colocado no direito da criança e não no da família biológica", argumenta.

Duas leis, uma realidade

Importará esclarecer que a necessidade de reformular o sistema tutelar de menores teve início em 1996. O imperativo era distinguir completamente a realidade das crianças e jovens que viviam em risco ou em carência social (universo da Solidariedade Social), da realidade dos que estavam relacionados com a práctica do crime (universo da Justiça).

Neste seguimento, são aprovadas, em 1999, a Lei 147/99, de 1 de Setembro, que aprovou a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo; e a Lei 166/99, de 14 de Setembro, que aprovou a LTE, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2001. Esta última foi o alvo deste estudo do Observatório, que concluiu que estas duas realidades acabam por confluir e desembocarem, muitas vezes, no sistema prisional.

"Tornou-se claro, por um lado, que o sistema de protecção e promoção (Solidariedade Social) tem que ser reavaliado, para evitar que os jovens cheguem à Lei Tutelar; por outro, que, quando lá chegam, depois de acabada a medida tutelar aplicada, é preciso seguir-lhes o percurso para que não venham a acabar na cadeia. O acompanhamento é urgente", remata Conceição Gomes.

Ministro repete promessas

O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, reafirmou, ontem, a promessa de melhorar as condições das comissões de protecção de menores, em resposta ao facto de muitos dos técnicos estarem a ponderar a hipótese de abandonarem funções. Estes relembram as condições complicadas em que trabalham e reclamam meios para poderem acompanhar as crianças e jovens em risco. O ministro, por sua vez, promete "estruturas mais sólidas" e elogia o trabalho destes organismos que recebem "três mil e tal casos por ano". Entretanto, um relatório da Inspecção-Geral da Saúde (IGS), noticiado ontem pelo "Expresso", revela que seis crianças são atendidas, por dia, nos hospitais e centros de saúde do país vítimas de maus tratos, abusos sexuais e negligência. Aponta o estudo que, entre 2002 e 2004, foram 102 as instituições do Serviço Nacional de Saúde que receberam 7033 crianças em risco. Os números não são exactos já que há muitas destas crianças que nem sequer são registadas. Das que são, muitas não chegaram nem chegarão às comissões.

Fonte: Jornal de Notícias

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