domingo, março 05, 2006

Mundo-cão ou mundo humanizado?


"Gisberta era o nome de um ser humano, igual em dignidade a todos nós. Veio do Brasil à procura de uma melhor sorte. Desempenhava a profissão mais vulnerável à discriminação, à marginalização e até ao ódio trabalhava, como agora se diz, na profissão do sexo. Algum factor bio-psicológico te-lo-á induzido a optar pela sexualidade feminina, onde se sentia melhor consigo próprio: tornou-se transsexual.

No seu conceito de realização pessoal, utilizou esse direito para ser feliz. Diz-se que chegou a ter uma boa remuneração, mas a instabilidade profissional, uma grande sensibilidade, o isolamento da família e a incompreensão da sociedade foram-no empurrando para o degrau mais baixo da vida. Dormia num daqueles enormes esqueletos de cimento e ferros que o crescimento egoísta da cidade foi abandonando.

E, naquele dia, que não era dia de Natal nem de Páscoa, mais ninguém tropeçou nele junto ao Campo 24 de Agosto. Gisberta jazia num buraco deixado pelas escavadoras no fundo desse esqueleto mastodonte. Para ali tinha sido lançada por um bando de garotos, dos 14 aos 16 anos, depois de agredida durante alguns dias, de forma continuada e violenta com apedrejamentos e sevícias sexuais. E estes menores estavam a ser protegidos por instituições que se dedicam à protecção de crianças vítimas de abandono e maus-tratos.

Por que será que tudo isto foi possível?!... Por que será que o valor absoluto da dignidade natural de um ser humano é violentamente desprezado por um grupo de jovens, só porque vêem nele um transsexual?!... Por que será que o preconceito pode gerar tanto ódio em crianças?!...

As crianças não são naturalmente boas ou más, mas tornam-se naquilo que for a sua educação.

A violência homofóbica ou transfóbica manifestada por estes jovens não é outra coisa senão a expressão de um mimetismo exacerbado da irracionalidade de adultos que odeiam homossexuais ou transsexuais.

Gisberta é a denúncia de uma sociedade de "adultos-imaturos" e representa o falhanço da família, da escola e da própria democracia, na sua capacidade de valorizar a dignidade da pessoa humana, proteger os mais frágeis e minimizar o sofrimento dos que mais sofrem.

É urgente escolher entre um mundo-cão ou um mundo-humanizado.

João baptista Magalhães
Mestre em Filosofia"


in Jornal de Notícias

1 comentário:

Anónimo disse...

olá,eu li o seu recado e logo me indentifiquei, pois eu passo pelo mesmo problema,há 12 anos que sou agredida piscologicamente , moralmente e´fisicamente uma vez.Mas eu estou aos poucos reagindo , procurando ajuda , é muito dificil, principalmente quando se tem filhos envolvidos,o sofrimento é constante , quando eu penso que está tudo bem ele bebe e começa tudo de novo, bom é isso, força amiga não desanime jamais.