quinta-feira, agosto 27, 2009

Tribunais são "causa de ruído e perplexidade"

Cunha Rodrigues, procurador-geral da República (PGR) durante 16 anos, considera que os cidadãos desconfiam da Justiça e que volume de litígios e a insuficiência de respostas fizeram dos tribunais "causa de ruído e de perplexidade".

"O volume de litígios levou a que os tribunais (...) pela insuficiência de respostas, pela multiplicidade de actores e pelo antagonismo de papéis, se convertessem em causa de ruído e de perplexidade", escreve o ex-PGR, no livro "Recado a Penélope", hoje editado.

Para o juiz conselheiro, "o cidadão começa a duvidar de que seja possível confiar numa Justiça que parece desfazer, de noite, o trabalho que produz de dia".

"A complexidade social e o escrutínio proporcionado pela mediatização e exigido pela cidadania transformaram a Justiça em teatro do mundo e estão a gerar sentimentos de inquietação", acrescenta.

A experiência judicial revela que "a lentidão da Justiça interessa normalmente a uma das partes" e "mesmo o Estado, que devia dar o exemplo, utiliza sofisticados expedientes processuais para adiar o reembolso de quantias indevidamente recebidas".

Aliás, acrescenta, "o interesse do Estado nem sempre corresponde ao interesse da Justiça".

Apesar de uma visão critica do sistema judicial, Cunha Rodrigues considera que "a Justiça portuguesa (...) possui condições tão favoráveis como as outras para enfrentar o futuro".

Porém, "é urgente reformar a concepção do sistema que, mesmo sendo em geral correcta, deve ser agilizada", considera.

Como exemplo, Cunha Rodrigues refere a desmaterialização do processo, para dizer que "pode ter uma utilidade maior: a de eliminar a relação diarística do magistrado com os autos que dissolve e secundariza o cidadão".

Defensor da ideia de "reformas", considera "indispensável identificar os domínios em que é necessário intervir e monitorizar as mudanças".

E como nas reformas "os consensos são improváveis, o debate político é indispensável" e deve ser sustentado em "ideias-força como a independência dos magistrados, a Justiça de proximidade ou a decisão jurisdicional em prazo razoável".

Para Cunha Rodrigues, o debate sobre a administração da Justiça deve ser desenvolvido em três temas: a forma e o tempo da Justiça, "que visariam a transição do paradigma da escrituração judicial para o de oralidade", a economia e o método do debate.

"O Parlamento e o Governo deveriam assumir a dimensão política das questões e reexaminar a sede do discurso", afirma o autor, acrescentando que deveria ficar claro "onde acaba a discussão dos temas e começa a representação dos interesses".

Para Cunha Rodrigues, os tribunais portugueses estão "mal instalados e deficientemente equipados".

"O ambiente físico (edifícios, gabinetes) deveria constituir uma preocupação primacial do Estado e não apenas ser analisado como uma questão de dignidade e conforto", sustenta.

Para o antigo PGR, a intervenção do executivo nos Departamentos de Investigação e Acção Penal e no Departamento Central de Investigação e Acção Penal "foi deliberadamente lenta e reactiva" e fomentou a "autogestão e o vazio".

O conselheiro Cunha Rodrigues exerceu o cargo de procurador-geral da República de Setembro de 1984 a 6 de Outubro de 2000. Desde então exerce o cargo de juiz do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

O livro "Recado a Penélope" tem chancela da editora Sextante e é publicado no âmbito de uma colecção coordenada pelo jornalista António José Teixeira e que contará, igualmente, com textos de reflexão sobre Portugal de figuras como Mário Soares.

in
DN Online

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